quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

LUZ QUE VEM ILUMINAR AS NAÇÕES

O quarto mistério gozoso do Rosário induz-nos a meditar na apresentação de Jesus no templo e na purificação ritual de Nossa Senhora. Pois bem: a Festa litúrgica do dia 2 de Fevereiro projecta-nos para essa tradição bíblica cujo fundamento histórico se perde no tempo. Desde Moisés – a Bíblia o refere – que o primeiro filho do sexo masculino, nascido em qualquer família judia, era considerado pertença de Deus. Por essa razão, quarenta dias após o nascimento, era apresentado ao Senhor para se fazer a sua remissão, isto é, para se pagar o seu resgate em consonância com as respectivas posses. No mesmo dia, cumpria-se também o rito da purificação legal da mãe, pelo que, popularmente e na nossa tradição, é muito conhecida a Festa de Nossa Senhora da Purificação ou das Candeias [cf. Levítico, 12]. O cabal cumprimento dessa lei era ponto de honra para qualquer judeu. A família de Nazaré não fugiu à regra. Cumpriu-a na totalidade. Por isso, quando perfez quarenta dias, Jesus foi apresentado no templo, como qualquer menino. Os evangelhos, ao relatarem o facto, deixam no ar a insinuação de que algo totalmente novo aconteceu. Tinham-se completado os tempos e o Messias prometido acabara de nascer. Estava ali! Foi essa a convicção do velho Simeão que, numa prece de louvor a Deus, reconheceu naquela criança a presença do Messias. E apresentou-o publicamente como luz e esperança da humanidade.

Façamos a aplicação. Apesar de terem diminuído drasticamente muitas das referências religiosas que dão sentido à vida, continua viva, felizmente, a fé em Deus, – no Deus que, sendo luz das nações e esperança da humanidade, tem na mão a sorte deste mundo e a história do homem, tanto a nível individual como colectivo. Ao mesmo tempo, conserva-se inalterável a fé no Homem, – nesse Homem que tudo faz para usufruirmos dos progressos realizados pela ciência, pela técnica e pela medicina, nos estimula na responsabilidade sobre o ambiente e nos impõe o restabelecimento da paz e da justiça tantas vezes violadas. A simultaneidade da fé em Deus e no Homem propõe-nos que sejamos essa luz que vem iluminar as nações; incentiva-nos a promover a cultura do acolhimento em detrimento da cultura das guerras, tensões, ódios, violência, divisões e morte; e leva-nos a construir a civilização da esperança e da fraternidade, conscientes de que a maneira cristã de se estar no mundo tem uma inegável vertente social e cultural e que os homens e mulheres que vivem coerentemente a sua união com Deus são os homens e mulheres que iluminam a comunidade humana com as suas obras de justiça, de esperança, de solidariedade, de fé e de generosidade.

Estas obras identificam-se com os actos de amor que é possível praticar em favor dos mais necessitados. Estes são-nos postos diante dos olhos a exigir que lhes reconheçamos muito mais futuro do que passado. Amando-os, esse futuro passa a presente, pois amar um ser representa criá-lo, ajudá-lo a tornar-se alguém. É pena que, volvidos dois mil anos, a cultura contemporânea ocidental, outrora de matriz profundamente cristã, tenha défice de homens e mulheres que queiram reconhecer-lhes esse futuro, que queiram ser luz e esperança. A indiferença pelo próximo e o comodismo individualista fizeram ninho no coração de muita gente. Por isso, deixo aqui estampado o meu reparo e, simultaneamente, uma súplica: Não basta vivermos angustiados com a pobreza de continentes inteiros, ou amedrontados com a gripe das aves, ou apavorados com algum inesperado contratempo. É necessário agir contra a solidão de muitos vizinhos nossos cuja vida é difícil e para quem temos de ser luz e esperança. Estou convencido de que a nossa acção solidária tem de recair em quantos acreditam na nossa capacidade de sermos os seus Messias.
P. Madureira da Silva

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