segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

BEM-VINDA A MISCIGENAÇÃO!

Os portugueses falam em mestiçagem; os brasileiros em miscigenação. O dicionário define-as: “Cruzamento entre indivíduos de raças diferentes”.

Dois factos, aparentemente contraditórios, levam-me a escrever sobre este tema: a eleição dum mestiço, Barac Obama, para Presidente dos Estados Unidos da América e as recentes declarações do Cardeal Patriarca de Lisboa, Dom Policarpo, e do Cardeal Saraiva, referentes aos casamentos entre muçulmanos/ãs e cristãos/ãs, e pouco favoráveis aos mesmos.

O Presidente Obama é mestiço: filho de uma mulher branca, Ann Dunham, de Hawaii, e de um negro, keniano, estudante em Hawaii, onde conheceu e casou com Ann. Desta união nasce Obama em 1961. Dois anos depois, o pai abandonou a esposa e o filho. A mãe de Obama decide provar novamente fortuna num segundo matrimónio, este vez com um indonésio. Desta união nasce-lhe a Obama, uma irmã. A família muda-se para Jacarta, quando Obama tem 6 anos. Uma nova ruptura matrimonial traz de volta para o Hawaii a Ann com os seus filhos. Obama tem nesta altura 10 anos. Os dois irmãozinhos ficarão ao cuidado dos avós, porque a mãe tem um trabalho de carácter social no estrangeiro, tendo vivido em mais de treze países. Obama casará com uma jovem e bonita advogada negra, Michelle Robinson. A irmã de Obama está casada com um canadiano de origem chinesa. Ann Dunham morre de cancro, com 52 anos, em 1995. Esta grande mulher sentia-se em casa nos treze países onde residiu. Considerava-se cidadã do mundo. Formou verdadeiramente uma família multirracial, multicultural e multinacional. “Na nossa casa, a Bíblia, o Alcorão e o Bhagavad Gita estavam lado a lado na estante”, dirá um dia Obama.

O Presidente Obama é um caso típico e um maravilhoso fruto da miscigenação. Então, porquê desaconselhar a mistura religiosa de cristãos e muçulmanos, como fazem, a meu modo de ver com toda razão, os cardeais supra-citados?

Vamos desenvolver estes assuntos em duas entregas. Esta semana ficaremos na constatação global dos factos.

A mistura de raças, culturas e religiões é um facto, concomitante com essa realidade que se chama “globalização”. Olhemos para França: em 2050 mais da metade dos franceses serão de origem norte-africana. Olhemos para os Estados Unidos de América: esta grandíssima nação é considerada uma panela de misturas (“melting pot”); Los Angeles, por exemplo, é a segunda cidade de México, pelo número de imigrantes lá.

Mas não necessitamos olhar para fora para perceber este facto. Temos a miscigenação em casa, nas ruas das nossas cidades, nas aulas das nossas escolas e universidades, na brecha dos trabalhos mais duros, no desporto: como nos orgulhávamos, nas olimpíadas passadas, dos nossos campeões: negros! A miscigenação não só está em Lisboa ou Porto. Também em Évora. Neste Seminário, onde uma terceira parte dos alunos são africanos e onde convivemos harmoniosamente gentes de quatro nações.

Onde pela primeira vez eu encontrei a realidade da mestiçagem foi no México, entre os anos de 1974-1985. Fiquei fascinado; fascinado da mestiçagem de fundo, secular (70% dos mexicanos são mestiços), e da mestiçagem mais recente, do século XX, fruto dos cruzamentos de mexicanos (já mestiços eles mesmos), europeus e asiáticos. Que variedade de matizes, que personalidades tão ricas! A seguir, fui transferido para Munich, em Alemanha, onde o facto da mestiçagem era ainda mais plural, mas não tão abrangente. Desde 1999 a 2006 residi em Angola, onde me deparei com outro tipo de miscigenação: negros escuros, simplesmente negros, mestiços, mulatos, cabritos… Novamente, que variedade, que riqueza racial e cultural! Desde 2007, aqui estou, em Portugal: um espanhol em Portugal, que, transcendendo fronteiras já inexistentes, sente-se “peninsular, ibérico”. E quando me perguntam: Que se passa com as tuas olheiras? Posso responder: são a minha herança árabe!

A miscigenação é um facto. Mas também uma grande riqueza: Seja bem-vinda!

No próximo dia abundaremos sobre este apaixonante tema.

P. Vicente Nieto

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