quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A DIDACHÉ (c. 70 d. C) E A PRIMITIVA LEGISLAÇÃO ECLESIÁSTICA E LITÚRGICA

AUTOR, DATA E LOCAL DE COMPOSIÇÃO

Sendo o mais antigo manual das primitivas comunidades cristãs que chegou até nós e a fonte mais antiga de legislação eclesiástica que possuí-mos, a “Didaché” (a partir de agora designada com a abreviatura Did.) foi descoberta apenas no ano de 1873 pelo metropolita grego de Nicomédia, Filoteu Bryennios, a partir de um códice grego em pergaminho, datado de 1056, pertencente ao patriarcado de Jerusalém e descoberto na biblioteca do Hospício do Santo Sepulcro de Constantinopla.

Até 1873 sabia-se apenas que existira um documento intitulado “Doutrina dos Apóstolos”, citado e nomeado já por Clemente de Alexandria e Orígenes que o consideravam escritura inspirada[1]. Porém, em tal códice ora descoberto, e que continha outros escritos antigos[2], encontrava-se um documento intitulado “Doutrina dos Doze Apóstolos”. A descoberta deste pequeno e precioso documento (204 linhas e 5 fólios no referido manuscrito) bem como da sua “editio princeps” ao cuidado de Bryennios, suscitaram um enorme entusiasmo e interesse, tornando-se então possível aprofundar os conhecimentos sobre as origens da Igreja.

A julgar pelo título (Doutrina dos Doze Apóstolos), alguns pensaram que a Did. contivesse a pregação evangélica de Cristo. Contudo, não passa de uma espécie de compêndio de preceitos de moral, de instruções acerca da organização das comunidades e de indicações relativas às funções litúrgicas, oferecendo-nos, de facto, um conjunto de normas reveladoras do magnífico quadro da vida cristã dos finais do sec. I. Esta obra tornou-se, na verdade, o código eclesiástico mais antigo e inspirador das posteriores colecções que deram origem ao direito canónico tanto no Oriente como no Ocidente.

A questão do autor reveste particulares dificuldades, na medida em que nos encontramos perante um documento que resulta da estratificação de diversos materiais e da combinação de diversos géneros literários[3]. Por tal motivo, deverá antes falar-se de autores no plural e que, na verdade, não se sabe quem foram, permanecendo, pois, no anonimato a autoria da Did.

Quanto à data da sua composição, pelas conclusões, ainda que não unânimes, dos diversos estudiosos, parece situar-se nos finais do sec. I, podendo assim remontar aos anos 70 da nossa era.

No que respeita ao local de proveniência, as opiniões dividem-se entre o Egipto [4] e a Síria, embora a maioria dos autores defenda a origem siríaca do documento, devido às semelhanças evidentes com a tradição sinóptica que será registada por escrito no Evangelho de Mateus, de proveniência também siríaca.

Drª. Teresa Pereira

[1] CLEMENTE DE ALEXANDRIA, Strom. I,20,100,4-5; III, 4,36,5; Prot. X, 108,5; Ped. II,12,89,1; ORÍGENES, De principiis III, 2,7.
[2] Entre os quais da Epístola do Pseudo-Barnabé, a Primeira Carta aos Coríntios de Clemente de Roma, a Segunda Carta aos Coríntios deste mesmo autor e as Cartas de Inácio de Antio-quia na sua recensão mais longa.
[3] No que toca à explanação sintética de todo o processo de composição do documento, veja-se por exemplo o que diz J. QUASTEN, Op. Cit. 43-46 e Isidro Pereira Lamelas, in Didaqué. Edição Bilingue 26ss.
[4] É esta, por exemplo, a opinião de W. RORDORF.- A. TUILIER, in La Doctrine des Douze Apôtres (Didachè), 97.

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