quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A DIDACHÉ (c. 70 d. C) E A PRIMITIVA LEGISLAÇÃO ECLESIÁSTICA E LITÚRGICA

ESTRUTURA, CONTEÚDO E TRANSMISSÃO DO TEXTO

Composta em dezasseis capítulos, a “Didaqué”. apresenta preciosas informações sobre a catequese moral que precedia o baptismo (cap.I-VI), o modo como este sacramento era administrado (VII), a forma de rezar (VIII) e celebrar a eucaristia (IX-X e XIV) e outras orientações relativas ao bom funcionamento da comunidade, tais como: o acolhimento dos missionários itinerantes, a hospitalidade, o sustento dos ministros, a reconciliação e correcção fraterna (XI-XV). O documento culmina com uma exortação de cariz escatológico (XVI).

De uma forma mais pormenorizada, poderá, pois, repartir-se o documento em quatro secções bem delimitadas:

I- Secção catequético-moral (I-VI,2), que contém indicações sobre o modo de instruir os catecúmenos. A forma como se encontram redigidas estas instruções é, na verdade, muito interessante. As regras da moral são apresentadas através da imagem das “duas vias” ou “dois caminhos”: o caminho do bem ou da vida (I-IV) – onde se integra uma secção de textos evangélicos (I,3b-II,1)- e o caminho do mal ou da morte (V), culminando com uma conclusão e transição (VI,1-2).

II- Secção litúrgica (VI,3-X,7), que contém aspectos referentes às normas alimentares (VI,3), à administração do baptismo (VII), à forma de cumprir o jejum (VIII,1), ao modo de fazer oração (VIII,2) e à celebração da eucaristia (IX-X).

No que respeita ao baptismo, o documento fala da imersão em água corrente, rios e mananciais, sendo por isso a forma mais usual de administrar este sacramento. Era permitido, porém, o baptismo por infusão em caso de necessidade. Parece, de facto, não existir outra referência sobre o baptismo por infusão, nos secs. I e II, para além da Did.

Quanto ao jejum, tanto o candidato como o próprio ministro do baptismo estavam obrigados a jejuar antes da administração do sacramento. O jejum era efectuado às quartas e sextas-feiras, costume este que se opunha directamente à prática judaica, que guardava o jejum às quintas-feiras e aos sábados.

Do mesmo modo, a recitação da oração dominical, três vezes por dia, era também uma norma obrigatória para todos os fiéis. Os capítulos IX e X revestem, de facto, particular importância e interesse para a história da liturgia, em virtude de conterem as orações eucarísticas mais antigas que possuímos. Tais prescrições destinavam-se a regular a primeira comunhão daqueles que acabavam de ser baptizados na vigília pascal. A secção referente à eucaristia encontra-se, pois, intimamente unida à do baptismo, prova de que estes dois sacramentos estavam, desde o princípio, associados um ao outro. Além disso, os não baptizados encontravam-se expressamente excluídos da recepção da eucaristia.

III- Secção disciplinar (XI-XV), que fala dos critérios de discernimento em geral (XI,1-2); dos apóstolos e profetas (XI,3-XII) quanto à hospitalidade e discernimento do apóstolo (XI,4-6) e do profeta (XI,7-XII); da hospitalidade e discernimento do cristão forasteiro (XII); do sustento dos profetas e doutores (XIII); da assembleia dominical e confissão dos pecados (XIV); dos bispos e diáconos (XV,1-2 ), quanto aos requisitos para a eleição (XV,1) e defesa da sua dignidade (XV,2); da correcção fraterna (XV,3) e da exigência de viver em conformidade com o Evangelho (XV,4). Importa aqui salientar o interesse que reveste particularmente o capítulo XIV, não só no que diz respeito à celebração eucarística dominical, como à insistência da confissão antes de se receber a eucaristia, tratando-se provavelmente de uma confissão litúrgica muito semelhante ao nosso “Confiteor”.

IV- Secção escatológica e apocalíptica, que contém uma exposição parenética (catequese) sobre o fim dos tempos (XV,1-2) e uma mensagem apocalíptica (XVI,3-8).

O texto da Did. chegou até nós através do “Codex Hierosolymitanus” 54 (H54) do patriarcado grego de Jerusalém, que se conservava na biblioteca do Santo Sepulcro de Constantinopla, graças à descoberta e consequente edição do metropolita Bryennios, como já dissemos. Imediatamente se lhe foram acrescentando dois fragmentos gregos, um da versão copta e alguns fragmentos da versão etiópica.

A tradição indirecta é múltipla e complexa e demonstra a continuidade na tradição ideológica e institucional.

Drª. Teresa Pereira

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