quinta-feira, 26 de março de 2009

ATENTADOS À VIDA HUMANA

Perdoem-me a ironia, mas… após milhares de anos de civilização, ‘progrediu-se’ socialmente até ao ponto de se trancarem as portas e as janelas e se ligarem todos os sistemas de alarme contra roubos, enquanto os habitantes de algumas aldeias «atrasadas» ainda dormem descansadamente sem ferrolhos nas portas. O ‘progresso’ – a que as democracias mais tolerantes deram carta de cidadania – trouxe insegurança e desconfiança. E produziu novas e insuspeitadas formas de violência. Tornou difícil a vida social confiante. E desenterrou um tremendo ambiente de suspeições. Não me admiro, por isso, que cada um tenha de tratar de si e dos seus como se fosse um negociante atento, com um olho no burro e outro no cigano. Toda a gente sabe que se tem dado primazia à ciência, à técnica, à estrutura social e económica, mas fica a dúvida se, com tal primazia, o homem se tornou mais homem, mais progressivo e mais desenvolvido, se conseguiu diminuir a violência! Depois das bombas atómicas e dos campos de extermínio onde foram suprimidos milhões de pessoas inocentes, deixou de ser possível sermos ingénuos. Todos tomámos consciência de que é a mesma inteligência que inventa os remédios para as doenças e as armas para matar, as estruturas para desenvolver e as estruturas para violentar.

A violência é a acção física e psicológica – por actos, palavras, comportamentos e atitudes – que melhor expressa o nosso título ‘atentados à vida humana’. Presente na configuração de agressividade animal [e o homem é biologicamente animal!], explode na forma de pulsões primárias. Torna-se particularmente alarmante quando escapa ao controlo racional e desemboca no mar da emotividade, quando se torna cega, extravasa quaisquer limites e atinge as fronteiras da vingança. Muitas vezes é premeditada e obedece a objectivos precisos de poderio e submissão. E costuma ser muito barulhenta quando resulta das subjugações provocadas por estruturas sociais adversas. Pela violência, um cavalheiro submete ao arbítrio próprio a vontade do outro, as normas do outro, o seu estilo de vida, os seus valores e, às vezes, intimida-o a que ceda, aterrorizando-o e aniquilando-o. Qualquer tipo de violência, individual ou de grupo, estorva a vítima na sua liberdade de reflexão, de critério, de decisão, pois rebaixa a pessoa à categoria de meio e de instrumento. Os documentos históricos confirmam que nos regimes mais autoritários, nos tribunais mais severos e nos interrogatórios mais pidescos, a violência pretendeu conseguir o que nunca a palavra, nem o direito, nem a moral consentiriam.

Mas... há um outro tipo de violência que escorre das estruturas económicas, sociais, jurídicas e culturais que oprimem injustamente o homem e o impedem de ser livre. Por estar aí bem patente, chama-se violência estrutural. Há violência estrutural em ocasiões contínuas de desemprego, de miséria económica ou moral, de calamidades públicas, de desastres naturais, de políticas adversas. Há violência estrutural quando numa sociedade a esperança de vida é duas vezes mais elevada na classe superior do que nas classes inferiores. Aumenta-se a violência estrutural quando se faz aumentar a distância entre o actualmente possível e o actualmente realizado. Se há violência individual quando um marido maltrata e bate na mulher, há violência estrutural quando um milhão de maridos mantêm um milhão de mulheres na ignorância, embora nenhuma delas tenha permissão de se queixar. Este tipo de violência estrutural caracteriza civilizações fundamentalistas e regimes políticos tirânicos; mas também não está longe da experiência histórica do homem europeu, vítima de duas guerras mundiais e de centenas de conflitos ideológicos, étnicos e raciais. Se não fosse a Declaração dos direitos humanos em 1948, se não fosse o Maio de 68 e as subsequentes revoluções políticas e a queda do muro de Berlim... mesmo cá, na Europa, os cidadãos continuariam a rebolar-se num estrangulamento político, cultural, económico e moral... e a libertação da mulher continuaria a ser uma miragem.

P. Madureira da Silva

1 comentário:

  1. Eis porque decidimos que era tempo de actuar e propor um modelo de sociedade alternativa - orientada para a Vida, amiga da Vida e da Família. É projecto ambicioso, mobilizador de pensamento, acção e essencialmente oração. Mas com a comunhão entre tantos "homens (e mulheres) de Boa Vontade" vai ser possível e aí estaremos de pé, nos tempos de antena, nos boletins de voto a afirmar, também nós, que "outro mundo é possível"!

    Um abraço e parabéns pelo Blogue!
    Luís Botelho Ribeiro

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