segunda-feira, 23 de março de 2009

“O NOSSO REBANHO É MAIOR QUE O DO PAPA”

Todos somos sabedores do reboliço suscitado pela resposta que o Papa Bento XVI deu a um jornalista que lhe perguntou, no voo desde Roma aos Camarões, sobre a sida e a sua prevenção, no dia 17 de Março passado. Não pretendo agora dizer coisas novas, nem atear mais o fogo, nem acusar ninguém, nem sequer defender o Papa, que não necessita da minha defesa. Simplesmente pretendo partilhar a minha relativa surpresa por tamanhas reacções e justificá-la.

Afirmou o Sumo Pontífice, respondendo a uma pergunta na informal Conferência de Imprensa a bordo do avião: Não se pode resolver [o problema do sida] com a distribuição de preservativos. Esta medida até pode agravar o problema, defendeu o Sumo Pontífice. A solução está antes, acrescentou, num despertar humano e espiritual, numa humanização da sexualidade.

As reacções a este pronunciamento do Papa têm sido desmesuradas, injustas e, por vezes, deformadoras da verdade do dito e acontecido. Para constatá-lo, só basta dar uma olhadela para as manchetes dos jornais dos dias 18 e 19 de Março. Na secção de “Sobe e desce”, Bento XVI era colocado invariavelmente no lado do “desce”.

A Senhora Dulcelina Serrano, directora do Instituto Nacional de Luta contra a Sida (INLS), de Angola, indignada com as palavras do Papa, garantiu que as pessoas que seguem as recomendações do Instituto ultrapassam numericamente a comunidade católica: “O nosso rebanho é maior que o do Papa”.

O jornal “Público”, de 18 de Março – um jornal sério e habitualmente objectivo -, sem nada informar sobre o discurso do Papa no aeroporto de Yaoundé, nesse mesmo dia, só comentava as referidas palavras do Papa no avião. E concluía assim, na secção “Sobe e desce”, da última página: “Sabe-se que África é um continente desgraçado em muitas frentes. A sida é um dos muitos problemas e é aí que se concentra o maior índice mundial de infectados. Voltar a criticar o uso de preservativos, posição histórica da Igreja, às portas duma visita a África é uma atitude incompreensível. Por que não a opção pelo silêncio, num tema tão sensível?”

Penso que o Papa, como aconselha o jornal, teria optado pelo silêncio sobre os preservativos. Suponho que em nenhum dos seus muitos discursos nos Camarões e em Angola, durante estes dias, o Papa mencionará a “camisinha”, mesmo que fale da pandemia da sida e do contributo da Igreja e dos cristãos em prol dos doentes de sida. Porque o Papa falou no assunto? Porque foi perguntado. E porque falou nos termos em que falou? Porque é a “posição histórica da Igreja”, como confessa o jornal. A minha pergunta agora vai para os jornalistas: Porque perguntam se já conhecem de antemão a resposta? Quiçá para poder criticar o Papa, armar uma falsa polémica, desprestigiar a Igreja ou preencher espaço nos jornais?

Alguns até ousavam frisar que o Papa, muito longe da misericórdia que motivava a conduta de Jesus, estava a condenar milhões de africanos a morrer de sida.

A que vai o Papa a África? A impor a moral sexual da Igreja e a condenar os preservativos? A que vai? O deixou bem claro no seu primeiro discurso, supramencionado, ao aterrar em Yaoundé, em que se apresentou como quem quer falar palavras de esperança e conforto para toda a África, como aquele que quer confirmar seus irmãos na fé católica e como portador dum Documento sobre “A Igreja em África ao serviço da reconciliação, da justiça e da paz”. Textualmente frisou: “Mesmo no meio dos maiores sofrimentos, a mensagem cristã traz consigo esperança… Diante da dor ou da violência, da pobreza ou da fome, da corrupção ou do abuso de poder, um cristão nunca pode ficar calado”.

A fé da Igreja em Jesus de Nazaré, a paz, a justiça, a reconciliação, a esperança, a misericórdia para com os que sofrem fome, doenças, estão sozinhos, são os valores que o Papa leva a África; ao mesmo tempo que denuncia a corrupção, a pobreza, a violência.

A Igreja é portadora dum ideal moral, do qual não pode abdicar, mesmo que isso lhe acarrete impopularidade e até perseguição. Mas a Igreja sabe também que todo o ser humano, todos e cada um dos seus membros, sem excluir o próprio Papa e a quem isto subscreve, são frágeis e pecadores. E nem por isso se deixa de pertencer ao rebanho de Bom Pastor. Também os católicos usamos o preservativo, porque somos pecadores em exercício. Mas nem por isso ficamos excomungados. Nos arrependemos, nos confessamos e voltamos a lutar contra o pecado…

Se alguém viesse consultar comigo, padre católico, e se exprimisse nestes termos:

-- Padre, sou fraco e pecador. De vez em quando permito-me alguma licencia moral e faço sexo, e não com a minha mulher, porque não tenho. Que faço? Uso ou não a camisinha?
-- Filho, sê casto, com a graça de Deus - lhe aconselho.
-- Nem sempre me aguento. É por isso que consulto. Que é menos imoral: fazer sexo com ou sem a camisinha? Já sei que a Santa Mãe Igreja… Mas, compreenda, padre…
Podem imaginar a minha resposta, que acho que seria a mesma do Papa. Mas não me peçam – e menos à Igreja na pessoa do Papa - que pregue a favor do preservativo nem que faça campanhas para a sua distribuição gratuita.
Não sei qual dos rebanhos será mais numeroso: o do Papa ou o da Senhora Dulcelina. Mas sim gostaria de informar à Directora do INLS de Angola, onde está a chegar o Papa aquando isto escrevo, que no rebanho da Igreja cabem também os que por fraqueza se protegem com o preservativo, se arrependem de pecar contra a castidade, se confessam, e continuam a luta da superação moral e espiritual.

Mais dois acrescentos para terminar:

Também compreendo por quê o Papa disse que as campanhas a favor do preservativo podem agravar as coisas. Para não alongar-me mais, os leitores perceberão que o que eu quero dizer está maravilhosamente resumido no provérbio: Semearam ventos, colherão tempestades (Os 8, 7).

A segunda matização: A Igreja não é parte do problema da sida no mundo; é parte da sua solução. Um botão de amostra: Estando eu a escrever este artigo, chegou às minhas mãos a revista “Sal terrae”, deste mês de Março, que inclui um depoimento acerca do serviço de luta contra a sida que os Jesuítas têm na Região de Ruanda-Burundi. Neste sentido o Papa já falou e continuará a falar incentivando os cristãos a lutar denodadamente contra o "terrível flagelo da SIDA" e em prol das pessoas contagiadas. No ranking mundial da luta contra a sida, depois das instituições da ONU vêm as da Igreja Católica. Com que armas luta a Igreja nesta guerra?

Primeiro, com a educação à responsabilidade das pessoas no uso da sexualidade e com a reafirmação do papel essencial do matrimónio e da família.

Segundo, com a pesquisa e a aplicação de tratamentos eficazes da SIDA e colocando à disposição do mais amplo número de doentes as muitas iniciativas e instituições de saúde.

Terceiro, com a assistência humana e espiritual aos doentes de SIDA, como de todos os sofredores, que desde sempre estão no coração da Igreja.

P. Vicente Nieto

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