quinta-feira, 23 de abril de 2009

EM FAMÍLIA FAZ-SE A TRIAGEM

Os livros definem o ambiente sociocultural como o conjunto de esquemas de comportamento, de ideias e de valores de que participa um certo grupo social que vive num determinado local. É uma definição sintética e livresca, mas que toca no essencial. Naturalmente, nós somos o que somos na exacta medida em que assimilamos o ambiente e nos acomodamos a ele. Mas o ambiente não é só geográfico: é também envolvimento social, cultura, humanismo. Neste ambiente é que cada ser humano cresce. Aliás, a natureza humana é mais cultural do que biológica, é mais «a fazer» do que «feita», é mais construída socialmente do que recebida por hereditariedade, e é predominantemente uma natureza a ser educada nos valores e nos ideais. A todo este processo de intercâmbio entre o homem e o ambiente sociocultural chamamos interdependência. Todos dependemos de todos e tudo depende de tudo. Somos seres de relação, em interdependência contínua, seres cuja natureza é cultural, receptiva, educável. Virtualmente podemos ser tudo: ninguém nasceu «funcionalizado» nem «determinado» para ser só isto ou aquilo. Podemos aprender tudo e vir a ser o que o meio ambiente e social nos proporcionar. De quanto se sabe, ninguém nasceu já «moldado». Todos nascemos moldáveis e, em muitos aspectos, somos hoje o que os nossos moldadores quiseram que fôssemos.

Nesta moldagem, o ambiente familiar teve especial incidência, por ser aí que foi feita a triagem dos valores, das atitudes e dos estilos de vida apreendidos nos ambientes circundantes, especificamente no grupo de amigos e no ambiente sociocultural. Para fazer essa triagem, a família torna-se imprescindível, pois os grupos de amigos, com a sua moral, juízos de valor e ideais, dão o conteúdo quase inteiro à personalidade dos que os constituem; mas não dão a forma que esses conteúdos precisam de ter. A forma é dada pela família. Nem sempre os grupos funcionam como transmissores de ideais perfeitos, ainda que funcionem como catalisadores de emotividades e de decisões mais ou menos impensadas. Tal como a semente, mesmo boa, não germina ou não se desenvolve convenientemente se o solo não é propício e o encarregado do campo não cuida de o tornar propício, também ninguém poderá ser educado sem um bom ambiente familiar e social e sem bons educadores. Um educando sem grupo é um órfão; e um órfão sem um bom grupo é um mau órfão. Com um mau grupo é fogo destruidor! Por isso precisa da família. Um educando sem família é o alvo preferido de todos os tipos de manipulação; e a má convivência ajuda essa manipulação. Que o digam e confirmem os tribunais de menores, as casas de correcção e recuperação de menores e as cadeias.

Não sejamos ingénuos: ninguém se educa sozinho. Estar atento às interdependências é uma das melhores atitudes educativas. Apesar da importância dos pais no processo educativo, especificamente nos primeiros anos, eles não podem perder de vista que deixaram de possuir o monopólio da educação sobre o seu educando. Esta é o resultado também da influência de todo o ambiente familiar, dos grupos e do ambiente social ou cultural em que os educandos vivem. A educação dada só pelos pais pode tornar-se praticamente ineficaz se faltar o apoio do resto da família, tanto na infância como na adolescência. Mais tarde, na juventude, a influência torna-se reduzida ou nula, a não ser que ainda permaneçam vivas as figuras familiares influentes e ainda actuante o processo de interiorização e assimilação dos valores. Mais do que através de normas, de discursos e de conselhos, é pelo processo de identificação com algumas figuras familiares que a educação se realiza. O problema é que cada vez há menos figuras de referência! Por essa falha, nem sempre o ambiente familiar consegue influenciar os educandos. E todos sabemos que a presença de boas referências familiares é sempre necessária, sobretudo no campo afectivo. A educação – que não está tanto em fazer praticar o bem, mas em ensinar a querê-lo – está facilitada quando os educandos e os educadores partilham as mesmas motivações convincentes e atraentes.

P. Madureira da Silva

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