quinta-feira, 8 de outubro de 2009

O «primeiro mundo»

Quando me falam em «primeiro mundo» e em «terceiro mundo», confesso que não entendo muito bem o que me estão a dizer. Acho que são maneiras simplistas de classificar os países e os continentes – e os respectivos habitantes – atendendo às suas culturas, grau civilizacional, desenvolvimento, riqueza e tecnologia – avançados ou atrasados. E também aos sectores produtivos e tecnológicos, mais ou menos industrializados, mais ou menos balanceados no comércio, mais ou menos sujeitos a uma agricultura de expansão ou de subsistência. É uma análise pouco convincente, esta, pois assenta em princípios de ordem mais económico-financeira do que humanista; e peca por considerar os coeficientes de inteligência acima dos coeficientes de coração. Não estou a dizer que o Homem não deva ser avaliado pela sua capacidade intelectiva, tecnológica e científica, mas que também há outros valores bem importantes pelos quais se lhe deve reconhecer um lugar no coração do mundo, um lugar no coração da dignidade. A explosão industrial do século XVIII e a maravilha electrónica do século XX estão na base do primeiro mundo. Dizem que Portugal faz parte do primeiro mundo, ainda que na cauda do pelotão.

Este primeiro mundo é muito patusco. Confunde e mistura – como se fosse possível a sua identificação – o desenvolvimento humano e o progresso tecnológico, os indivíduos e as pessoas, o “prà-frentex” e os valores pessoais e familiares. Estão em causa, aqui, desniveladas visões valorativas do homem e opostas fundamentações ideológicas da organização social e política. Pergunto-me, por isso: num mundo assim, onde está o Homem genuíno, aquele para quem os sentimentos profundos e as emoções equilibradas valem mais que todos os títulos académicos, e ser homem vale mais que todos os mundos e fundos? Não é palpável que este primeiro mundo é constituído por gente que vive na exaltação da sua subjectividade, numa cultura do «salve-se quem puder», sem relação comunitária, sem vida afectiva estável, sem investimento no progresso ético e moral? Não é palpável que neste primeiro mundo há muita gente que desacredita de quem detém o poder, de quem é dono do dinheiro, de quem manipula a técnica em proveito próprio, precisamente porque se tornou claro que os mais simples e pobres estão reduzidos a meros espectadores, a meras peças da engrenagem, sem qualquer participação que não seja a dos votos em momentos de eleições? Não é palpável que o poder [económico, político ou outro] desrespeita a “pessoa” porque a trata como simples objecto, ou, – o que está a tornar-se mais comum –, como um rival a abater? Não é palpável que a cultura do ser foi substituída pela cultura do ter?

Verdade se diga: neste «primeiro mundo», utilizam-se vacinas contra todas as estirpes de vírus. Mas, que eu saiba, nele nunca é utilizada a vacina contra o vírus da vontade do poder. Esta vontade de poder rapidamente se transforma em tirania e em autoritarismo ideológico. A nossa velha Europa sofre desta tirania «democrática» e recusa-se a tomar a vacina. Por isso, o homo sapiens deu lugar ao homem demente. A humanidade deste primeiro mundo parece ter enlouquecido! Este mundo enlouquecido (o mundo dos que tudo podem e tudo dominam) produziu criticáveis sistemas desumanizados, onde cada indivíduo é avaliado pela inteligência (pelos graus académicos, pelas especializações e capacidades) e não pelo coração (pelo verdadeiro humanismo). É natural que as pessoas, [a maioria!] que foram reduzidas a máquinas da grande engrenagem do trabalho, escorraçadas da sua dignidade, sejam pessoas sofredoras, inquietas, preocupadas, infelizes. Em favor destas – e contra a vontade de poder tão própria do primeiro mundo – é que muitos homens compadecidos, motivados por critérios autenticamente humanistas, há muito desenvolveram a vacina, de efeitos 100% eficazes, rotulada com três nomes: solidariedade, compaixão, promoção. Graças a Deus!

P. Madureira da Silva

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