quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Pio XII e a Segunda Guerra Mundial

INTRODUÇÃO[1]

Eugénio Pacelli (02.03.1876 – 09.10.1958) foi eleito Papa a 2 de Março de 1939, assumindo o nome de Pio XII (02.03.1939 – 09.10.1958). Acerca dele, há um autor que nos dá um esclarecimento decisivo sobre a sua personalidade: «Pio XII era, por origem, natureza, auto compreensão e experiência, um acérrimo homem da paz, ainda que não ao preço de cobardes compromissos»[2]. Assim, perante o novo conflito mundial (1939-1945), Pio XII afirmou que a Igreja «não pretende intervir nem tomar partido em controvérsias sobre matérias exclusivamente terrenas. Ela é Mãe. Não é legítimo pedir a nenhuma Mãe que favoreça ou se oponha parcialmente a qualquer um dos seus filhos».[3]

Esta posição do Romano Pontifice é definida, juridicamente, como de "neutralidade"[4]. Porém, Pio XII, homem acostumado a um pensamento e a uma linguagem matizadas e diferenciadas, preferiu designar a posição da Igreja face à Segunda Guerra Mundial como de "imparcialidade"[5]. Queria deste modo distinguir entre a situação política e o conteúdo moral. Neutralidade, explicava Pio XII ao Cardeal de Munich, «poderia entender-se no sentido de indiferença passiva» o que numa época de guerra como aquela não seria uma posição digna do pastor supremo da Igreja. Esclarecia ainda Pio XII: «Imparcialidade significa para nós uma valorização das coisas conforme à verdade e à justiça.»

Pio XII, assume portanto uma posição no conflito, sem todavia perder a sua neutralidade, mas sublinhando a coragem face à defesa da justiça e da verdade, sempre com imparcialidade. Manter esta imparcialidade, foi tarefa muito mais difícil do que foi na Primeira Guerra Mundial para Bento XV. Diz-nos B. SCHNEIDER que a imparcialidade exigiu «esforços quase sobre­humanos para manter a Santa Sé por cima das discussões dos partidos»[6]. Até 10 de Junho de 1940 a Itália não participou na guerra, porém a partir desta data, na campanha da Alemanha contra a França, a Itália de Mussolini tomou o partido germânico e a voz da Igreja, "Rádio Vaticano ", e o seu jornal "L'Osservatore Romano" passaram a ter dificuldades em fazer ouvir a sua voz, quer na defesa dos direitos humanos, quer na denúncia das diversas e frequentes violações da liberdade religiosa e de consciência, operadas pela Alemanha. Nos finais de Abril de 1941, a Rádio Vaticano foi mesmo obrigada a interromper as suas emissões sobre a situação da Igreja na Alemanha. Nesta situação a coragem de Pio XII, manifestou-se também nos contactos que o Vaticano continuava a manter com grande intensidade a nível diplomático com os governos não alinhados com a Alemanha.

A par destas atitudes de imparcialidade, sempre a exigirem grande coragem e valentia, Pio XII desencadeou uma gigantesca onda de solidariedade humana para com as vítimas da guerra, salvando cerca de 860 mil Judeus das mãos dos Nazis. Recentemente, apareceu um estudo bastante esclarecedor de Pinchos LAPIDE, Consul Geral de Israel em Milão, durante a Segunda Guerra Mundial. Como ele conclui, logo após a guerra, o reconhecimento dado a Pio XII foi absoluto e unânime. Homens como o Prémio Nobel Alberto Einstein, o Rabino Chefe de Israel, Isaac Herzog, os Primeiros Ministros de Israel, Golda Mair e Moshe Sharrett, o Presidente da União das Comunidades Judaicos Italianas, Raffaele Contoni, agradeceram publicamente a Pio XII o seu heróico esforço a favor da Paz e dos Hebreus. Só posteriormente e de modo estranho, a opinião histórica se virou contra Pio XII face à sua actuação frente aos Judeus.

L. SALVATORELLI afirmou que «Nunca desde 1848, o Papado teve tanto sucesso na imprensa internacional como hoje.»[7] Confirmando esta opinião, foram os enormes elogios surgidos na imprensa internacional por ocasião da morte de Pio XII em 1958, que desempenhou «brilhantemente» o seu ministério petrino.

A acusação contra Pio XII, face à questão dos Judeus na Segunda Guerra Mundial, surgiu cinco anos depois, através do jovem dramaturgo alemão, Rolf HOCHHUTH, cuja obra Der Stellvertreter, O Vigário, foi levada à cena pela primeira vez em Berlim, a 20 de Fevereiro de 1963 e em Londres a 25 de Setembro do mesmo ano. Para provar os fundamentos da sua acusação, Rolf HOCHHUTH juntou ao texto teatral um Dossier Histórico com 46 páginas, na edição alemã. Nesta documentação em apêndice surgiram duas citações extrapoladas de dois notáveis pensadores contemporâneos católicos, o Francês François Mauriac e o Hebreu Leon Poliakov.

As graves acusações de HOCHHUTH, personagem até então desconhecida, desencadeou um singular e apaixonado debate no mundo ocidental com inumeráveis discussões, como por exemplo, a movimentação de 75.000 cartas de leitores. O elevado prestigio de Pio XII, até então predominante, transformou-se, em muitas pessoas, no extremo contrário, chegando até ao ódio e ao desprezo.

À luz da actual investigação Histórica apercebemo-nos que a última palavra sobre a relação de Pio XII com os Judeus, durante a Segunda Guerra Mundial, não será a acusação de John Cornwell[8], mas surgirá uma nova historiografia, certamente mais justa e mais serena. Perceber-se-á então que o Papa Pacelli foi um justo entre as nações a quem é necessário reconhecer a protecção e salvação de centenas de milhares de Judeus naqueles tempos tão difíceis.

Não poderemos ignorar o silêncio e a covardia de muitos grupos intelectuais que hoje acusam Pio XII, em nome de certos vanguardismos, que na ocasião nada denunciaram, nem nada fizeram a favor dos Hebreus. Onde estão afinal as denúncias dos anti-fascistas italianos e dos comunistas russos dessa época, a favor dos Hebreus? Quem ignora as diversas traições e denúncias feitas por Judeus contra Judeus, o que muito facilitou a descoberta e prisão de outros Judeus? Porquê fazer de Pio XII o "Bode Expiatório" da história que nos interpela a todos nós? Quem poderá dizer que fez tudo a favor dos Judeus, nessa ocasião? Quem fez mais pelos Judeus do que Pio XII e a Igreja?

Estas perguntas têm ainda mais força, se percebermos que foram formuladas, pelo Rabino e Historiador de Nova York, David Dalin, ao exigir uma revisão das historiografias pouco isentas acerca de Pio XII, reclamando que se coloque Pacelli no lugar de mérito humano que por direito e verdade histórica lhe pertence e lhe devemos[9].

Ao longo destes artigos, tentaremos esclarecer alguns factos históricos acerca da relação de Pio XII com o Nazismo de Hitler e com o Povo Judeu, durante a Segunda Guerra Mundial. Não pretendendemos nesta modesta divulgação emitir um juízo histórico de valor definitivo, mas apenas deixar ao juízo dos leitores factos históricos muito importantes, para que cada um reflicta e tire as suas conclusões.

Para além da bibliografia apresentada, terei ainda em grande conta as investigações do Doutor Josef L. LlNCHTEN, Hebreu de origem polaca e doutorado em Direito pela Universidade de Varsóvia. A sua principal obra intitula-se «Pope Pius XII and the Jews», na qual expõe claramente a obra do Papa Pacelli em defesa dos seus irmãos hebreus, durante o difícil período da Segunda Guerra Mundial, citando vários documentos, que também utilizaremos como nossas fontes. Foi homem de rica humanidade e profunda fé, testemunhando com a sua intensa participação na Jornada de Oração pela Paz, a 27 de Outubro de 1986, em Assis, um desejo de unidade pela busca da verdade. L. LINCHTEN faleceu a 22 de Dezembro de 1986 com 80 anos e foi sepultado no cemitério Judeu de Roma, presidindo às exéquias o Rabino Sermoneta.

P. Senra Coelho

[1] Parte de uma investigação sobre o Papa Pio XII apresentado no Seminário, Biografia Histórica, orientado pelo Professor Doutor Shephard, Phoenix International University (PIU), ano lectivo 2006-2007.
[2] W. D'DAMESSON, Pio XII tel que je I'ai connu, in R.H.D, n.º 82, 1968, pag. 21.
[3] Discurso de Junho de 1939, ADSS 1, 163, repetido na mensagem de Natal de 1946, AAS/39, 1947, pag.7 – 17.
[4] Acerca da posição de Pio XII sobre “Neutralidade” e “imparcialidade”, cf. K. REPGEN, La Politica Exterior Vaticana em la Época de las Guerras Mundiales, in Manual de História de la Iglesia, H. JEDIN y K. REPGEN, vol. IX, Ed. Herder, Barcelona, 1984, pag. 77 – 80.
[5] Posição assumida na Mensagem de Natal de 1942, cf. Nota 12.
[6] B. SCHNEIDER, Piusbriefe, 3 de Março 1944, pag. 280.
[7] Cf. Chiesa e Stato, della rivoluzine francese ad oggi, Florencia, 1955, pag. 139.
[8] John CORNWELL, Il Papa di Hitler – La storia segreta di Pio XII, Ed. Garzanti, Itália, 2004.
[9] Cf. Pave The Way Foundation (PWTF). Documentos descobertos recentemente provam que Pio XII teve gestos de amizade e protecção para com o povo Judeu antes, durante e depois da 2.ª Guerra Mundial.
As descobertas foram realizadas pelo historiador alemão Michael Hasemann, autor da obra The Pope Who Defied Hitler. The Truth About Pius XII, o Papa que desafiou Hitler. A verdade sobre Pio XII. Hesemann, acessor da PWTF, revela ter encontrado uma série de documentos no Arquivo Secreto Vaticano que dão crédito a numerosas intervenções do Papa Pacelli a favor dos Judeus.
Uma das descobertas é a de uma intervenção do Arcebispo Pacelli, então Núncio apostólico na Baviera, datada de 1917, através do governo alemão, para pedir que os Judeus da Palestina fossem protegidos frente ao Império Otomano da Turquia.
O Dr. Hesemann mostra também que em 1917, o futuro Pio XII utilizou sua influência pessoal para que o então representante da Organização Sionista Mundial, Nachum Sokolov, fosse recebido pessoalmente por Bento XV para falar sobre uma pátria judaica na Palestina.
Em 1926, Dom Pacelli animou os católicos alemães a apoiarem o Comité Pró Palestina, que apoiava os assentamentos judaicos na Terra Santa.
A estas descobertas unem-se as provas oferecidas pelo próprio presidente da PTWF, Gary Krupp, das quais o congresso sobre Pio XII celebrado em Setembro de 2008, em Roma, apresentou mais de 300 páginas de documentos originais, que contêm detalhes de como se levou a cabo a ordem do Papa, durante a guerra, de esconder os Judeus em Roma.
Estes documentos, recolhem, entre outros, um manuscrito de uma freira, datado de 1943, que detalha as instruções recebidas do Papa, assim como uma lista de Judeus protegidos.
Outro dos documentos é um informe do US Foreign Service, do cônsul americano em Colónia, que esclarece sobre a actuação do «novo Papa» em 1939. O diplomata mostra-se surpreso pela «extrema aversão» de Pacelli a Hitler e ao regime nazista, pelo seu apoio aos Bispos alemães pela sua oposição ao nacional-socialismo, ainda à custa da supressão das Juventudes Católicas alemãs. Também se oferece um documento de 1938, assinado pelo então Secretário de Estado Eugénio Pacelli, no qual ele se opõe ao projecto da lei polonesa de declarar ilegal o sacrifício Kosher, ao entender que esta lei «suporia uma grave perseguição contra o povo Judeu».
Já como Papa, durante a guerra, Pio XII escreveu um telegrama ao então regente da Hungria, Almirante Miklós Horthy, para que evitasse a deportação dos Judeus, ao que este acedeu, estimando-se que salvou cerca de 80 mil vidas. Ao governo brasileiro pediu que recebesse 3 mil «não arianos» no seu país.
Outro dos documentos que PTWF oferece é uma entrevista com Dom Giovanni Ferrofino, secretário do Núncio no Haiti, Dom Maurílio Silvani. O Prelado afirma que duas vezes por ano recebia telegrama cifrado da parte de Pio XII que remetia ao General Trujillo, Presidente da República Dominicana, para lhe pedir em nome do Papa 800 vistos para os Judeus. Estima-se pelo menos 11 mil Judeus assim tinham sido salvos.
Também se ofereceram provas de que o Vaticano falsificou secretamente certidões de baptismo para permitir que muitos Judeus migrassem como «católicos».
O empenho da PWTF obedece à própria determinação de seu presidente, Gary Krupp, Judeu americano, que reconhece que cresceu «desprezando Pio XII», até que leu o livro de Dan Kurzman, A Special Mission: Hitler’s Secret Plot to Seize the Vatican and Kidnap Pope Pius the XII. Nele se recolhe o testemunho do general Karl Wolff, que detalha o plano de Hitler: assaltar o Vaticano e raptar o Papa Pio XII. Sabe-se que havia espiões no Vaticano e franco atiradores alemães a menos de 200 jardas das janelas papais.
A mesma restrição das declarações públicas do Papa, que foi fonte de críticas contra ele, explica-se pelo aumento dos castigos nos campos de concentração, testificado por ex-prisioneiros, cada vez que altos cargos eclesiásticos falavam contra o regime nazista.
Outra descoberta que fez Krupp mudar de sentimentos, segundo suas próprias declarações, foi a prova de que «O Vigário», a famosa obra do comunista alemão Rolf Hochhuth, se apoiou em documentos vaticanos manipulados, como parte de um complô secreto da KGH para desacreditar a Santa Sé. Esta informação foi revelada pelo Tenente General Ion Mihai Pacepa, o agente da KGB de mais alto escalão que desertou.
Gary Krupp assegurou estar «supreso ao pesquisar pessoalmente artigos do New York Times e do Palestine Post entre 1939 e 1958. Não pude encontrar nem um só artigo negativo sobre Pio XII».
O esclarecimento sobre a figura de Pio XII foi assumido como objectivo pela PWTF para «eliminar um obstáculo que afecta 1 bilhão de pessoas» para o entendimento entre Judeus e católicos. «Por justiça, nós, Judeus, devemos ser conscientes dos esforços desse homem, num período em que o resto do mundo nos havia abandonado».
«É o momento de reconhecer Pio XII pelo que fez, não pelo que não disse», acrescenta Krupp, que considera que a causa de que esta «lenda negra» permaneça é, por um lado, «a rejeição dos críticos de Pio XII de consultar e revisar a documentação recentemente desclassificada do Arquivo Secreto Vaticano», e por outro, «a negativa da maior parte dos meios de comunicação de dar cobertura às informações positivas sobre Pio XII».

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