quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Pio XII e a Segunda Guerra Mundial

I
POSICÃO DO PAPA PIO XII FACE AO NAZISMO E AO FASCISMO


Pio XI (06.02.1922 a 10.02.1939) publicou a famosa encíclica Mit Brennender Sorge,[1] quando era Secretário de Estado o Cardeal Eugénio Pacelli[2]. Este documento é a definição clara da Igreja face aos totalitarismos, entre os quais e de modo explícito, se encontra o Nazismo[3]. Sabe-se, hoje, com meridiana clareza histórica que Pacelli, participou e colaborou na elaboração da Mit Brennender Sorge de Pio XI, na qual se denuncia o Nazismo apresentado pelos nacional-socialistas alemães. Como legado papal, Pacelli pronunciou em Lourdes, no dia 28 de Abril de 1935, quatro anos antes da Segunda Guerra Mundial, perante 250.000 peregrinos, as seguintes palavras: «Esses (os Nazistas) na realidade são somente mesquinhos plagiadores que revestem velhos erros em novas vestes. Não faz nenhuma diferença se eles se juntam sob a bandeira da revolução socialista, se são guiados por uma falsa concepção do mundo e da vida, ou se estão embebidos pela superstição do culto da raça e do sangue.»[4]

O pensamento anti-fascista e anti-Nazista era tão bem conhecido e assumido no Cardeal Pacelli, que perante os rumores de ele vir a ser Papa e assim substituir Pio XI, os governos de Itália e da Alemanha manifestaram prontamente o seu repúdio, isto apesar de Pacelli ter sido Núncio Apostólico na Alemanha de 1917 a 1929 e aí ter exercido importante influência mediadora na assinatura da Concordata entre a Alemanha e a Santa Sé. Assim, no dia seguinte à sua eleição Papal, o Jornal de Berlim Morgenpost diz «A eleição do Cardeal Pacelli não é acolhida favoravelmente na Alemanha, porque ele foi um contínuo opositor do Nazismo e determinou a politica do Vaticano sobre o seu predecessor»[5]. Em todo o seu Pontificado, Eugénio Pacelli continuou fiel aos seus princípios acerca dos fundamentos filosóficos e teológicos que motivaram a desaprovação do fascismo e do Nazismo. Aconteceu que no dia 11 de Março de 1940, quando Pio XII era Papa ainda há pouco mais de que um ano, recebeu em audiência o alemão Nazista Von Ribbertrof, que em audiência formal, tentou convencer o Papa da inevitável vitória de Hitler e da invencibilidade do terceiro Reich. Sugeriu assim, que para bem do futuro da Igreja, o Papa devia alinhar com a Alemanha, sendo contraproducente alinhar a política diplomática do Vaticano com os adversários do Führer. Pio XII ouviu com cortesia e de modo impassível Von Ribbertrof, porém no final da sua exposição, retirou dum enorme envelope colocado sob a escrivaninha um vasto relatório e, no seu alemão perfeito, recitou a lista de todas as perseguições infligidas pelo terceiro Reich na Polónia, precisando datas, lugares e detalhes precisos de cada crime. A audiência terminou e a posição do Papa estava claramente assumida.

Esta posição de Pio XII, declarada perante Von Ribbertrof, veio no seguimento da sua primeira encíclica, na qual tinha atacado publicamente com violência doutrinas do totalitarismo, do racismo e do materialismo. Neste documento afirma Pio XII: «O primeiro destes erros perigosos, hoje muito difundidos, é o desprezo por aquela lei da solidariedade humana e da caridade ditada e imposta pela comum origem de todos os homens e da sua igualdade na sua natureza racional independentemente do Povo ao qual pertencem»[6].

Na véspera do Natal de 1942, durante a radiomensagem natalícia[7] e depois no dia 2 de Junho de 1943, Pio XII afirmou que «centenas de milhares de pessoas, que sem serem responsáveis por culpa alguma e unicamente por causa da sua nacionalidade ou raça, foram condenadas à morte ou à gradual extinção... É consolador para nós o facto que, através da assistência moral e espiritual fornecida pelos nossos representantes e através da nossa ajuda financeira, tenhamos conseguido confortar um grande número de prófugos, desalojados, emigrantes entre os quais também os não-arianos». Esta radiomensagem não passou despercebida, chegou à Alemanha e foi transcrita pela comunicação social.[8]

P. Senra Coelho

[1] Em forma de apêndice apresentamos na ìntegra a encíclica Mit Brennender Sorge
[2] No dia 16 de Fevereiro de 2009 Bento XVI prestou homenagem ao trabalho de oposição ao nazismo e aos totalitarismos que Pio XI desempenhou na década de 30, afirmando: «Os estudos históricos que continuam acontecendo sobre seu pontificado nos fazem perceber cada vez mais a grandeza do Papa Ratti, que guiou a Igreja nos difíceis anos entre as duas guerras mundiais. Durante seu pontificado, aquele Papa «teve de enfrentar as dificuldades e as perseguições que a Igreja sofria em países como o México e a Espanha, e a confrontação a que os totalitarismos levaram – nacional socialismo e fascismo – surgidos e consolidados naqueles anos».
«Na Alemanha, não se esqueceu de sua encíclica Mit brennender Sorge, como sinal forte contra o nazismo».
[3] O impacto da encíclica na Alemanha foi tão evidente que Adolf Hitler ordenou a Reinhard Heydrich, chefe da Gestapo, que encontrasse e destruísse todas as cópias. Os historiadores constataram recentemente, graças à abertura do Arquivo Secreto do Vaticano, que antes de morrer, ele pensou redigir um novo documento para denunciar com renovado vigor o antissemitismo do regime nazista.
[4] Cf. Frankfurter Allgemeine Zeitung, 4 de Março de 1963, cit. in Joseph L. LICHTEN, Pio XII e gli Ebrei, Centro Editoriali Dehoniano, Bologna, 1988, pag. 37.
[5] Cf. Morgenpost, Berlim, 3 de Março de 1939.
[6] Cf. Summi Pontificatus, Pio XII, 20 de Outubro de 1939, n.º 15.
[7] Radiomensagem de Natal, 24 de Dezembro de 1942; «Este voto devo-o à humanidade, às centenas de milhares de pessoas que sem culpa nenhuma da sua parte, às vezes só por motivos de nacionalidade ou raça, se vêem destinados à morte ou a um extermínio progressivo.» Cit in Jean COMBY, Para Ler a História da Igreja, Ed. Perpetuo Socorro, Porto, Outubro de 1989, vol. III, pag. 121.
[8] Cf. Frankforter Allgemeine Zeitung, 4 de Março de 1963, cit. in Joseph L. LICHTEN, Pio XII e gli Ebrei, op. cit., pag. 41.

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