quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Profissionais de queixumes

As manifestações doentias com que muitas pessoas pintam os seus dias e transformam num inferno a vida dos seus mais próximos encontram fundamentos no subconsciente. Para entender minimamente as suas reacções, são precisos “exames de subconsciência”; e não raramente se tem de recorrer à Psicologia clínica para que se tornem perceptíveis as suas maquillages. Essas pessoas maquilham a alma. Não com vontade expressa de enganar, mas tão-somente de que se lhes dê mais atenção. Estamos a falar de pessoas necessitadas de carinho, por serem sentimentalmente estranhas e emotivamente exageradas. Sempre a lamuriar-se, nunca estão contentes com nada nem com ninguém. Tudo lhes corre mal, só aos outros é que a sorte sorri. A sua vida não tem cor nem calor, nem incentivos nem atractivos. Por isso, recorrem a toda a espécie de estratagemas para darem nas vistas. Como nem sempre o conseguem naturalmente, conseguem-no inventivamente... pela negativa. Se os outros têm alguma doença, elas também têm, em grau e quantidade muito superiores. Se os outros se queixam deste ou daquele mal, elas nunca ficam atrás! Sem querer, estão a dar razão aos que afirmam que uma mania é pior que uma doença! Com este estratagema, lá vão conseguindo a atenção que procuram.

O modo de ser destas pessoas esquarteja-me a alma e leva-me a pensar quais serão as razões, reais ou fantasiosas, que podem estar por detrás de tais comportamentos. Será desgaste emocional, desequilíbrio psicológico, encarceramento sentimental? Não sei. Só sei que há muita gente cuja principal actividade é queixar-se dos seus males. A maior parte das vezes sem razão. Têm tudo para serem felizes, mas não se adaptam! São pessoas duma sensibilidade refinadamente apurada. Parecem “caixas registadoras» a ruminar longamente as suas recordações; são “sismógrafos” a acusar o mais insignificante abalo; são aparelhos de “raios-X” que penetram as disposições íntimas e os pensamentos secretos. Lá bem no fundo são pessoas infelizes. E não sabem como sair daí, apesar de quererem ser felizes. E era tão fácil! Bastava que se dispusessem a construir a vida, estruturando-a, modificando-a, preenchendo-a, fazendo alguma coisa por ela, melhorando-a, porque ela não está feita e a felicidade também não. Bastava que procurassem agir de modo a que o mundo ficasse em melhores condições do que as que existiam quando nasceram. Bastava que quisessem resgatar ao menos uma pessoa amiga dos condicionalismos injustos ou transviados em que se afundara. Mas qual quê!

Quem não se esforça em fazer algo por si, pelos seus e pelos outros; quem se cola às coisas feitas sem a intenção de as fazer progredir; quem deixa que a vida passe por si com o peso do tempo, das doenças e dos cansaços e se submete a um fatalismo pessimista, – esse será sempre infeliz, sem características altruístas, porque o altruísta em tudo encontra razões para se dar, para ser generoso, para ser alegre. Por causa da atávica habituação aos momentos de amargura, acho que o que está em causa é a falta de hábito em descobrir as razões da felicidade. Esse hábito adquire-se e, uma vez adquirido, conserva-se e torna-se patente no pensar, no agir e no sentir. No pensar tudo quanto é belo e nobre, tudo quanto é verdadeiro, tudo quanto pode abrir as portas à alegria. No agir em todos os terrenos da personalidade e em todos os momentos da capacidade, produzindo necessariamente a habituação de saborear esse bem. No sentir que à sua volta há outros seres necessitados, para quem é urgente o sorriso pronto, a ajuda eficaz e o conselho amigo. Quem pensa, age e sente deste modo torna-se necessariamente útil, disponível e feliz, porque acredita na eficácia da sua acção. Talvez seja por isso que algumas pessoas com tais características, para ultrapassarem o pessimismo, se refugiam na religião por saberem que, ao menos aí, encontram sempre alguém que as escuta, as aceita, as ama... e as faz sentirem-se menos infelizes, ou até muito felizes!

P. Madureira da Silva

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