quinta-feira, 4 de março de 2010

Peregrinos insatisfeitos

Peregrinos neste mundo durante os anos que nos toca viver, somos uns eternos insatisfeitos. O mundo convenceu-nos de que as portas da felicidade nos estão escancaradas; e, de imediato, passando por elas, corremos na sofreguidão de encontrar tudo o que julgamos contribuir para a felicidade: o possuir fácil, o usufruir intenso e o descartar rápido. Insatisfeitos, lançamo-nos na avidez de mais possuir, mais usufruir e mais descartar. Naturalmente, a consequência será a desilusão, porque, lá bem no fundo, nunca nos sentimos saciados. No desenrolar normal da vida, isso não deveria ser assim, até porque, fruto do progresso científico e do desenvolvimento tecnológico, há hoje explicações e soluções que antes não tínhamos. Caímos no ridículo de pensar que não há nada que a ciência não explique e não preveja – e pressupomos que o conhecimento científico tem o exclusivo de todo o conhecimento e que nós nos reduzimos a uns milhões de células bem aglomeradas no cérebro e no resto do corpo. No fundo, faltam-nos razões do coração, ainda que nos sobrem soluções da razão. Muitos de nós já tomaram consciência de que o saber e o possuir não resolvem a tristeza nem a falta de esperança. E é esta dimensão que é preciso solucionar. A geração actual, em momentos de preocupação, desencanta-se com as propostas que a razão científica lhe fornece; e, para além do dinheiro e do prazer, pouco mais tem com que se consolar. Nem sequer a garantia de emprego, quanto mais...

Fora das aulas de filosofia e do contributo doutrinal das religiões, normalmente as questões do sentido da vida e as razões da esperança não fazem parte das preocupações quotidianas. Estas são outras. A canção identifica-as: saúde, dinheiro e amor. Vida regalada e, se possível, sem sobressaltos. Vida com festas e férias, com direitos e descanso... que o resto é uma «seca»! Até nos piqueniques bem comidos e bem regados se ouve dizer: «é isto que levamos desta vida». E, sem querer, negando o desejo intrínseco de perpetuação, afirmamos que a vida termina absolutamente com a morte e deixamos por resolver a ânsia de sabermos em que consiste ser homem, qual a finalidade da vida, que tarefas temos de realizar, que nos é permitido esperar, que garantias há sobre o «depois» desta vida. Pois bem: a ilusão de ter respostas para as preocupações do dia-a-dia conduz a duas situações: ao alheamento sobre o «depois-da-morte» e ao longínquo interesse sobre perspectivas de futuro. O que nos importa e preocupa é o presente. Esta situação nem sequer é nova; já o livro do Eclesiastes (do Antigo Testamento) aponta para a situação do homem desiludido e frustrado, que vive a angústia da monotonia das coisas: “Uma geração passa, outra vem [...]. Para onde sempre correram, continuam os rios a correr. Aquilo que foi é aquilo que será [...]. Nada há de novo debaixo do sol”. Monotonia e desencanto. Autismo! Vida cheia de tudo e vazia de sentido!

Vacinados com a experiência dos anos já vividos e fustigados com as desilusões que a fantasia aumenta, temos de admitir que, apesar dos avanços da ciência e da técnica e do elevado nível de vida e de bem-estar, somos itinerantes à procura do sentido radical da nossa vida, encontramo-nos sempre a caminho de ideais, de objectivos, das pessoas que confiam em nós. E, acredite-se ou não, só na transcendência se encontra esse sentido radical. Por isso, devemos ser gente de esperança. Devemos continuar a fazer projectos e a envolver-nos em novos empreendimentos. A inteligência, o coração, as mãos e os passos exigem sempre mais. Temos de acreditar na importância da vida, nas capacidades próprias e alheias. Abrindo-nos sempre à novidade, havemos de preencher o vazio que sempre deixam as falsas seguranças, e experimentar a alegria de confiar em Alguém que não está sujeito às alterações das épocas e dos tempos, e que dá resposta às inquietações mais profundas. Melhor do que ninguém, foi Santo Agostinho quem exprimiu esta verdade profunda do ser humano: “Fizeste-nos, Senhor, para Ti, e o nosso coração anda inquieto enquanto não repousar em Ti”. Os bons peregrinos giram ao redor de Deus.
P. Madureira da Silva

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