quinta-feira, 11 de março de 2010

Se estivéssemos mais atentos...

“Gato escaldado de água fria tem medo”. E nós, para não deixarmos o adágio por falso, lá o vamos aplicando com regularidade. Tantas vezes somos enganados que nos tornamos desconfiados. Pudera! Há por aí tantos falsos pobres a pedir uma moedinha, tantos falsos necessitados a exigir uma ajudinha, que nos tornamos de coração duro. Custa-nos ser enganados. Consequência: generalizamos as situações e, claro, paga o justo pelo pecador. Pois bem! Se estivéssemos mais atentos, não nos deixaríamos enganar. Pelo contrário: descobriríamos à nossa volta um sem número de carências para as quais ser solidário é uma obrigação e colaboraríamos mais eficazmente na solução dessas carências que são reais. Vou referir cinco. Primeira: a subnutrição e a fome (e alguns vícios que lhes são inerentes ou consequentes). As causas desta situação podem ser muitas: baixos rendimentos, desemprego, incapacidade para trabalhar, abandono familiar. Não é só nos países do terceiro mundo que essas coisas acontecem, é também aqui, bem à nossa porta. Há gente sem dinheiro que anseia por uma refeição, gente que não tem que comer, gente que estende as mãos nas ruas, às portas das instituições de solidariedade social e às portas das igrejas. Não raramente regateamos e comentamos que não precisam, que têm bom corpinho para trabalhar e talvez mais rendimentos do que quem trabalha. Mas, por mais razões que tenhamos nos comentários, não é com sermões nem com comentários que lhes matamos a fome. A solidariedade nunca se faz com sermões, mas com acções e partilha!

Segunda: o problema dos sem-abrigo, dos que não têm tecto para viver e cujas causas são sensivelmente semelhantes às da situação anterior. A maioria destes «irmãos» (– perdoem-me por lhes chamar «irmãos», mas creio que é uma linguagem que ainda se pode utilizar e só favorece a dignidade!), a maioria destes irmãos, dizia, abandonou o lar ou dele foi excluído por motivos vários, entre os quais a droga ou o álcool. Outros perderam as suas casas devido a catástrofes ou à negligência na conservação das poucas condições habitacionais existentes. Outros nem sequer alguma vez tiveram casa e, por isso, não sabem viver de outra maneira. Terceira: a situação de muitos idosos sós, a viverem em condições de negligência e quase-abandono por parte das suas famílias. Consta que há familiares de idosos (filhos, netos, sobrinhos e outros chegados) que, alguns momentos após a entrega que deles fazem os profissionais dos Centros de Dia, os fecham à chave nas suas próprias habitações, com o intuito de não serem incomodados durante a noite e poderem sentir-se mais descansados até ao dia seguinte em que passará a mesma equipa de profissionais para novamente os levar para os Centros. Nunca investiguei esta situação, mas não me admiro que se esteja a tornar comum!

Quarta: a situação de muitos imigrantes que, ao procurarem libertar-se das situações de miséria existentes nos seus países, se tornaram vítimas de exploração no nosso. E sabemos que a palavra ‘exploração’ tem muitas ramificações, muitos tentáculos! E ouvimos dizer que há máfias a sugar e a maltratar alguns imigrantes, sobretudo oriundos do leste europeu. Quinta: a situação de muitos – mesmo não idosos – que vivem sós, dos que não têm ninguém que os ouça nem acolha; a situação das vítimas dos maus-tratos físicos e morais que, por medo, falta de coragem ou falta de forças, não conseguem denunciar as situações que lhes são infligidas; e também aqueles que, embora tenham bens materiais suficientes para subsistir, não os conseguem administrar sozinhos, por deficiência ou fraqueza das suas capacidades mentais – situação que os torna alvo fácil e preferencial de todas as “aves de rapina”. Estas cinco situações de carência são o alarme do mundo necessitado, são o verdadeiro carácter, doloroso e transitório, da sociedade que formamos. Basta-nos estar mais atentos para descobrirmos a verdade destas e doutras formas de carência.
P. Madureira da Silva

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