segunda-feira, 18 de maio de 2009

Florinhas “guadalupanas” em honra de Nossa Senhora de Fátima

No post da passada semana prometi escrever sobre a devoção mariana, que une o México com Portugal. É um tema também actual por nos encontrarmos no mês de Maio, mês especialmente consagrado à Virgem Maria, e por termos celebrado no dia 13 passado a Festa de Nossa Senhora de Fátima. Os portugueses são marianos, de Nossa Senhora de Fátima; os mexicanos também, de Nossa Senhora de Guadalupe. Estes, brincalhões, consideram-se católicos em 90%, guadalupanos em 95%.

Quero partilhar convosco pequenos episódios ou sucedidos, que têm a Nossa Senhora de Guadalupe por protagonista, dos quais eu fui testemunha directa e beneficiário. Comoveram minha alma e ajudaram-me a aprofundar mais ternamente na devoção à Virgem Maria.

Em Outubro de 1974 fui transferido para o México. Fiz a viagem pelos Estados Unidos. Quando me despedi da senhora, mexicana, que ajudava os padres na casa de Washington onde residi, a modo de despedida, disse-me: “Padre, cumprimente-me a Rainhazinha”. Não compreendi. Eu estava a pensar na esposa do presidente da nação; ela pensava em Nossa Senhora de Guadalupe, com todo a ternura, carinho e familiaridade do mundo.

Cheguei ao México, D.F., em Outubro. Além de trabalhar em formação sacerdotal, incumbiram-me duma capela num bairro pobre, onde uma comissão de senhoras tinha iniciado, motu proprio - uma colecta desde o mês de Setembro para a Festa da Guadalupana, ao 12 de Dezembro. Em Novembro, a mencionada Comissão rendeu-me contas: tinha juntado 14.000 pesos (moeda mexicana), equivalentes a 70.000 pesetas espanholas da altura. A mim parecia-me muito dinheiro, que daria também para comprar um aparelho de som para a capela. Assim o fiz saber à comissão, que não fez eco nenhum à minha proposta. Não a rejeitou, mas também não a acolheu. Na linguagem mexicana, de polidas maneiras, isso significava a rejeição, tácita, mas absoluta. Deixei passar as coisas e que eles fizessem. Gastaram todo o dinheiro em flores, foguetes e duas bandas de música. Passado pouco tempo, a mesma comissão foi ter comigo para se oferecer a fazer um novo petitório para comprarmos a aparelhagem de som. Aquele dinheiro era para a Virgem; o aparelho de som, para nós. Que maravilhosa lição dada, sem eles pretender, pelos pobres de Javé ao “padrecito” recém-chegado da pragmática Europa.

Com motivo da Festa de Guadalupe, noutra ocasião, foi ter comigo um velhote, moreno, de grande bigode e de chapéu de grandes abas, que tinha um posto no mercadilho do bairro:

-- Padre, já temos o dinheiro para a “chouriçada”.

Fiquei surpreendido, porque não podia supor da afeição daqueles pobres comerciantes de bairro pelo chouriço, que lá chamam de “carne fria”, da que não têm hábito de comer. Pedidos esclarecimentos, soube que a “chouriçada” não era outra cosa que foguetes enfiados, para honra de Nossa Senhora no mercadilho.

Noutra ocasião, confessando um velhote antes de lhe administrar a Unção dos Enfermos, perguntei-lhe se costumava participar na missa. Respondeu-me que cada quinze dias.

-- “Como assim, senhor”?, disse eu.

Ele retorquiu: “Mas na “Villita”, padre, na “Villita”. Estava a se referir à Vila de Guadalupe, junta da Virgem, onde uma missa vale por duas.

Os mexicanos cantam as “mañanitas” (manhãzinhas) para felicitar o aniversário natalício, principalmente às namoradas. Na madrugada de 11 para 12 de Dezembro, passam pela Vila de Guadalupe inúmeros grupos de “mariachis” para cantar à Virgem as “mañanitas”, sem excluir os melhores cantantes da ribalta folclórica. É um acontecimento acompanhado por televisão em todo o país. À imitação do que se faz na Vila, fazem noutras igrejas e capelas. Também no meu bairro de “Palo Solo”. Naquela madrugada, a capela lotada, eu a confessar no presbitério, vejo entrar o grupo musical de José Piñón para dar as “Mañanitas” à Virgem. Os cantantes e músicos estavam tão bêbados que quase nem andar podiam. Eu temi o pior. Mas não. Fizeram tantas genuflexões e reverências, que nunca vi coisa igual. Estava frio e é por isso que na espera abusaram dos copos, mas em honra de Nossa Senhora.

Termino estas florinhas referindo que, na basílica de Guadalupe, entre o presbitério e o quadro da Virgem, há uma passagem baixa e não visível desde o recinto do templo, por onde a gente passa para ver de perto e orar a Nossa Senhora. Para evitar o pasmo, o êxtase e a demora da gente que nunca iria embora, essa passagem faz-se em cima duma passadeira rolante que não deixa a gente parar. Mas esse instante fugaz justifica todos os esforços realizados para lá chegar.

Contei estas florinhas marianas guadalupanas para honrar Nossa Senhora de Fátima, porque a Virgem Maria, em todas as suas advocações, é sempre a mesma pessoa, a Mãe de Jesus e nossa Mãe. Espero algum dia voltar ao México e honrar, lá, Nossa Senhora de Guadalupe com as florinhas marianas de Fátima. Cabe aos irmãos portugueses cultivá-las. Com certeza que não faltarão na Vila de Guadalupe muitas florinhas de Fátima.

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