quarta-feira, 24 de junho de 2009

INÁCIO DE ANTIOQUIA (c. 110) e A UNIDADE E CATOLICIDADE DA IGREJA

(Introdução-2ª parte)

Centramo-nos hoje na questão da Transmissão e autenticidade das Cartas:

Policarpo (Phil.III,2) faz já menção de uma recolha de Cartas de Inácio. Inereu (AH V, 28, 4) refere-se à Carta aos Romanos e cita dela um fragmento. Eusébio de Cesareia (HE. III, 36) conhece e cita as sete cartas e alude a um fragmento da Carta aos Romanos.

Na verdade, as Cartas de Inácio de Antioquia conservaram-se em três recensões:

a) A recensão média, eusebiana ou “brevior”, que consta de sete cartas (segundo a maioria dos investigadores esta recensão é a original) escritas em grego, encontra-se no Codex Mediceus Laurentianus 57,7 e data do sec. II. Falta, no entanto, a Carta aos Romanos, cujo texto foi encontrado no Codex Paris. Graec. n.1457, do sec. X. A recensão original das Cartas aos Efésios, às comunidades cristãs de Esmirna, Magnésia, Trales, Filadélfia e ao bispo Policarpo foram publicadas em 1646 e a Carta aos Romanos em 1689.

b) A recensão larga ou “longior”, que acrescenta mais seis cartas às sete existentes e conhecidas por Eusébio. De facto, a considerada colecção original ou “brevior” sofreu diversas alterações e interpolações durante o sec. IV. Esta “violação” foi efectuada por um compilador que acrescentou seis cartas espúrias às sete autênticas, conservando-se, assim, esta recensão (larga ou “longior”) em numerosos manuscritos gregos e latinos. Tal recensão foi primeiramente publicada na versão latina, em 1498, e mais tarde na versão grega em 1557. A partir da publicação da Carta aos Romanos, em 1689, a maioria dos investigadores é da opinião que a recensão “longior” é espúria e, como tal, não contém os textos originais do autor.

c) A recensão curta, breve ou “brevissima”, editada por W. Cureton (1845), em versão siríaca, contém a Carta aos Efésios, aos Romanos e a Policarpo. O editor considerou esta recensão abreviada como perfeitamente genuína. Contudo, J. B. Lightfoot e outros especialistas na matéria demonstraram que se tratava, nada mais nada menos, de um compêndio de uma versão siría-ca da recensão média.

A questão da transmissão do texto das cartas prende-se, de facto, com a da autenticidade das mesmas. Ora, autenticidade das cartas inacianas foi, durante muito tempo, posta em causa pelos protestantes porque, segundo a sua opinião, seria impensável falar, durante o reinado do imperador Trajano, da existência de um episcopado monárquico e de uma hierarquia tão claramente organizada e constituída por bispos, presbíteros e diáconos. Por este motivo, suspeitaram do facto de as Cartas de Inácio terem sido falsificadas por alguém que tinha exclusivamente a intenção de criar uma organização hierárquica no seio da Igreja.

Depois da brilhante defesa da autenticidade das mesmas, levada a efeito por Th. Zahn (1873), F. X. Funk (1883), J. B. Lightfoot (1885), A. von Harna-ck e outros, a questão voltou de novo à ribalta em princípios do sec. XX. Se já nos finais do sec. XIX, Renan considerava a Carta aos Romanos a única autêntica do “corpus” inaciano, Völter, por sua vez, em 1910, achava que era a única não autêntica.

Em 1979, Joly defendeu a tese de que as cartas de Stº Inácio eram obra de um falsificador. Pela mesma altura, o catalão J. Rius Camps começava também a defender a ideia de que as Cartas se encontravam adulteradas.

Contudo, actualmente, considera-se que nem uma nem outra tese parecem muito convincentes, na medida em que presumir uma falsificação origina consequências mais problemáticas do que a da hipótese da sua autenticidade. Por outras palavras, continua a ser unicamente posta em causa a autenticidade do “textus receptus” da recensão larga (13 cartas) bem como o da recensão curta (3 cartas), aceitando-se exclusivamente, em contrapartida, o texto da recensão média ou eusebiana (7 cartas).

Drª. Teresa Pereira

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