segunda-feira, 20 de julho de 2009

A Palavra e a Acção na celebração Litúrgica – dimensão sacramental

PARTE III – ORIENTAÇÕES CONCILIARES (Sacrossantum Concilium)

A Reforma Litúrgica do Vat. II teve como base programática a Constituição Dogmática Sacrossantum Concillium. Vejamos alguns ensinamentos desta Constituição sobre o nosso tema.

Logo ao nº 2, os padres conciliares apresentam um princípio determinante para a Liturgia cristã: “A Liturgia… manifesta o mistério de Cristo e da Igreja que é, simultaneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na acção e dada à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina, mas de forma que o humano se deve subordinar ao divino, o visível ao invisível, a acção à contemplação e o presente à cidade futura.”

Antes de mais, é sublinhado o carácter humano-divino da liturgia cristã. Celebramos o mistério de Cristo e da Igreja. Onde dois ou mais estão reunidos em nome de Cristo, Ele torna-se presente. Cristo é a Verdade que celebramos e as nossas celebrações actualizam o seu mistério. A Palavra outrora pronunciada não é uma ideia passada que se recorda, antes, porque Jesus está, é Palavra viva e actuante, resposta adequada á experiência e inquietação que cada irmão está a viver e que a comunidade necessita.

Na celebração, entra o humano e o divino, sendo que, no ensinamento conciliar, o humano se subordina ao divino, o visível ao invisível. E humanos são os nossos gestos, a organização dos nossos ritos que, por isso, são subordinados ao Espírito de Deus que lhes dá vida e geram frutos de vida eterna. É o divino que se torna presente que faz com que o pão e o vinho que apresentamos se tornem para nós presença real de Cristo que nos alimenta e salva. O rito, na sua riqueza íntima, teológica, doutrinal, histórica, estética, artística ajuda a comunidade a colocar-se no essencial, em Deus. Deve ser o mais perfeito possível, o mais elevado possível, mas, ainda assim, é caminho para o essencial e não pode ser tomado como se fosse o essencial.

Em última análise, é Cristo que actua na celebração litúrgica. Não podemos esquecer-nos que o próprio ministro preside em seu nome. De modo que, ensina o Concílio, “quando alguém baptiza, é o próprio Cristo que baptiza. É Ele que fala ao ser lida na Igreja e Sagrada Escritura.”. O que nós fazemos, os nossos gestos, porque celebrados em Cristo e por Cristo, Verbo eterno, tornam-se acontecimento de salvação. Na celebração litúrgica, “os sinais sensíveis significam e, cada um à sua maneira, realizam a santificação dos homens.”

A beleza das nossas celebrações consiste, então, em serem sempre “obra de Cristo sacerdote e do seu corpo que é a Igreja”. Nº 7.

Por isso, ao rezarmos como sabemos e aprendemos, ao celebrarmos os gestos rituais que exprimem o nosso caminho de relação com Deus tal como hoje o fazemos, utilizando palavras, cânticos, elementos sensíveis como a água, o azeite, o pão e o vinho, sabemos que tudo isso é caminho para a comunhão com Deus. “Pela Liturgia da terra participamos, saboreando-a já, na Liturgia celeste, celebrada na cidade santa de Jerusalém. É para lá que nos dirigimos como peregrinos e esta consciência não a podemos perder. Quando se debilita a consciência que vimos de Deus e vamos para Deus, quando se debilita a memória das nossas origens e a esperança de pátria, sobe de tom a tendência a olhar o gesto como um absoluto e o rito como “a grande questão”. O que é forçoso que aconteça é que as nossas liturgias sejam morada de Deus e nos façam dizer como os discípulos no Tabor: - Que bom é estarmos aqui! Não só pela beleza humana que é importante que aconteça mas porque a nuvem nos envolve e a presença de Deus nos transfigura.

Este não é um belo pensamento espiritual mas um esforço permanente. Não é um romantismo, mas uma ascese crescente. Ensina o Concílio que para que a nossa Liturgia seja o que para trás fica dito “é necessário que os fiéis celebrem a Liturgia com rectidão de espírito, unam a sua mente às palavras que pronunciam, cooperem com a Graça de Deus, não aconteça de a receberem em vão.”

Infere-se, por conseguinte, que até lá podemos ir, até podemos fazer tudo o que está previsto, podemos cumprir o preceito e ser tudo em vão se não cooperarmos com a Graça de Deus que se torna presente. Para esta cooperação, é determinante a escuta da Palavra que leva ao significado do gesto. Ressalta o Concílio, ao nº 24: “É enorme a importância da Sagrada Escritura na celebração da Liturgia. Porque é a ela que se vão buscar as leituras que se explicam na homilia e os salmos para cantar; com o seu espírito e da sua inspiração nasceram as preces, as orações e os hinos litúrgicos; dela tiram a capacidade de significação as acções e os sinais.” A Palavra de Deus confere significado ao que celebramos, por isso, o Concílio incita-nos àquele “amor suave e vivo da Sagrada Escritura” para não nos afastarmos da verdade que queremos celebrar.


P. Mário Tavares

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