quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Fraquezas e desculpas

É avassaladora a marcha do progresso e desenfreado o desenvolvimento sócio-cultural. O furor das novas tecnologias absorve de tal maneira as cabeças pensantes que, mais dia menos dia, a capacidade de decidir, deliberar, escolher, será substituída por telecomandos. Bastará carregar no botão e pronto: solução à vista! E a ficção científica tornar-se-á realidade. Isto poderá vir a ser assim no que diz respeito à razão teórica (saber tecnológico e científico) que, quanto à razão prática (saber ético e agir moral), as coisas são diferentes e a electrónica, aí, ainda não ocupa qualquer papel de substituição. E ainda bem. Pudera! Os problemas morais não são assunto que a electrónica resolva. As questões são outras! E são bem sérias, apesar de estar a dar-me conta de que os conceitos de mal, culpa, pecado, asneira, imoralidade, estão a perder-se e até já quase não fazem parte dos ensinamentos educativos que formaram as consciências do meu tempo. A lista dos pecados foi absorvida pela falsa liberdade de pensamento e de acção; e ainda não se conseguiu passar a mensagem do mal social que isso provoca. É pena que tais ensinamentos tenham deixado de fazer parte das consciências!

Acho rápida demais esta perda, que se explica mas se não aceita. O Homem anda sujeito a inúmeros senhores, uns internos e outros externos: a sua cegueira, as suas paixões, os seus pecados, os exemplos e testemunhos dos seus semelhantes. Quanto aos internos, todos assentam na desculpabilização [a culpa nunca é do próprio]. Quanto aos externos, todos se enroscam no progressismo [«pràfrentex» é que é o caminho!]. A mentalidade secularista e secularizada do mundo ocidental – que, desde o século XVIII foi perdendo a dimensão religiosa e ganhando a vertente laica – reduziu muitas desordens morais a meros desvios das convenções sociais, a erros que devem ser tratados com indulgência, a fraquezas que é preciso compreender. Esta mentalidade abriga-se à sombra de três objectivos: exaltar as transgressões como afirmação da liberdade; diminuir ou anular o sentimento de culpa dos que praticam tais actos; considerar mentecaptas as pessoas que ainda acham que a moral é coisa que se deve respeitar. Na prática, pretende-se difundir a ideia de que nada é moralmente mau e de que o pecado é uma invenção anquilosante da retrógrada Igreja católica... e que já é tempo de cada um se deixar dessas tretas e de usar a própria liberdade como bem lhe apetecer.

Rousseau defendia a teoria de que o homem é bom por natureza; a sociedade é que – cheia de tabus e preconceitos – o condiciona e o torna mau. A mentalidade actual, fruto dessa e de outras teorias semelhantes, embrenhou-se na ética dos direitos, tremendamente parecida com a ética dos antigos povos pagãos. Por causa dessa maneira de pensar é que se diz que o mal está só em ser-se apanhado, em a polícia intervir, em os tribunais decidirem e as cadeias se encherem – e não no não cumprimento das leis morais, pois, quanto a estas, acima de tudo está a liberdade individual! Mas a verdade é outra. Não somos apenas humanidade boa, somos também humanidade estragada. Estragada quer dizer que perdeu qualidades originais e ganhou deficiências estruturais. Somos uma natureza decaída, tendencialmente inclinada para a asneira e para a auto-destruição, provocantemente egoísta e instintivamente relutante às normas morais. Fazemos parte duma situação global de pecado, de que somos solidários e responsáveis. E, para cúmulo, julgamo-nos os únicos senhores de nós mesmos, decidimos o que é bem e o que é mal e, a gosto pessoal, fazemos equivaler a liberdade à libertinagem. Mas, sejamos honestos, nunca os ensinamentos e doutrinas propostos pela Igreja serviram para levar as pessoas a serem más, a serem ladras, a serem assassinas. Antes pelo contrário! O não cumprimento de tais doutrinas e conselhos é que leva aos desvios sociais, aos comportamentos de risco, às acções ilegais, aos transtornos morais e às indignidades pessoais.

P. Madureira da Silva

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