quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Pio XII e a II Guerra Mundial

II

PIO XII E OS HEBREUS EM ITÁLIA

Pretendemos neste capítulo conhecer documentalmente quais foram as intervenções de Pio XII na Itália, sua Pátria, nos dificílimos anos de 1939 – 1945, durante a Segunda Guerra Mundial. Poderemos formular a questão ainda de outro modo: Qual foi a resposta que Eugénio Pacelli encontrou para o sofrimento dos seus conterrâneos Judeus de Roma, a viver no gheto Hebreu, mesmo ali vizinho do Vaticano?

Logo que os Alemães ocuparam a Itália, as S.S. iniciaram de imediato as perseguições contra os Hebreus. A 27 de Setembro de 1943, um dos comandantes Nazis exigiu da comunidade de Roma 100 libras de ouro em apenas 36 horas, sob ameaça de prender 300 hebreus, se as 100 libras de ouro não chegassem dentro do prazo imposto. O Conselho da Comunidade Hebraica trabalhou desesperadamente, mas somente conseguiu angariar 70 libras do metal precioso. Era grande a preocupação...

Nas suas memórias, o Rabino-Mor de Roma, Eugénio Maria Zolli, conta que foi enviado ao Vaticano, tendo entrado camufladamente como um engenheiro civil, pseudo-perito em obras, que iria super­visionar um problema relacionado com um dito edifício. Deste modo, os Nazis de vigilância ao Vaticano permitiram, inadvertidamente, a entrada do Rabino-Mor da Cidade Eterna. Uma vez no interior do Vaticano, encontrou-se com o Tesoureiro Pontifício e com o Secretário de Estado, os quais lhe comunicaram que o Santo Padre, pessoalmente, decidiu fornecer a quantia que faltava, através da entrega de vasos de ouro do tesouro da Santa Sé.[1]

Desde os primeiros dias da guerra, o Papa Pio XII destinou avultadas somas de dinheiro para ajuda aos Hebreus em toda a Europa. O gabinete para os profugos, do Vaticano e a instituição S. Rafael Verein, ofereceram ajudas materiais e financeiras de enorme e incalculável valor para salvar situações de primeira emergência. Pio XII administrava pessoalmente a recolha de fundos oferecidos por pessoas singulares e por grupos de solidariedade da Europa e da América, entre os quais o Catholic Refugee Commitee of the United States, Comité Católico dos Estados Unidos para os Profugos. Também os Hebreus Americanos confiaram ao Papa grandes somas de dinheiro, que Pio XII distribuiu com grande prudência e habilidade, apesar dos grandes riscos, que comportava naquele tempo apoiar as comunidades judaicas. Nesta missão, a Santa Sé seguiu sempre as vontades apresentadas pelos doadores. O Padre Leiber avalia que Pio XII recebeu 2,5 milhões de liras, só dos Hebreus dos E.U.A., até 1945.[2]

Pio XII preocupou-se igualmente com os problemas familiares dos Hebreus. Assim, entre os muitos serviços que criou no Vaticano a favor dos profugos, nenhum trabalhou mais intensamente do que o Secretário de Informações do Vaticano, ao qual Pio XII atribuiu como tarefa a difícil missão de recolher notícias dos familiares dos Hebreus de Itália que tivessem sido deslocados ou feitos prisioneiros noutros países. Se pensarmos nos riscos que comportava procurar Judeus no interior da Alemanha, controladíssima pelos Nazis, e a possibilidade reduzida de utilização de canais oficiais em tempo de guerra, concluiremos como foi importante e bem sistematizado este trabalho humanitário da Santa Sé, que solicitou 800.000 informações, que permitiram localizar com vida 66.000 pessoas.[3] Recordamos que os números apresentados, os únicos a que tivemos acesso, dizem apenas respeito à secção alemã do Gabinete de Informações do Vaticano, pois as outras secções comportam também trabalho impressionante de contactos conseguidos, com Hebreus espalhados pelo mundo.

Quando os Nazis proibiram aos Hebreus a realização dos seus ritos, o Papa fez vir os chamados “shohetin” ao Vaticano, a fim de ali poderem cumprir as suas tradições, recolhendo também todos os alimentos possíveis para depois serem levados aos Hebreus refugiados. Por esta ocasião, muitos cidadãos italianos de origem hebraica, foram removidos das funções que exerciam, sendo afastados das posições de governo, das funções de ensino e dos encargos científicos, tudo isto pelos filonazistas italianos. Perante esta situação, a Santa Sé, por orientação de Pio XII, recolheu todas estas personalidades judaicas nos serviços da Igreja. Por exemplo: o presidente e dois professores da Universidade de Roma, para além de um famoso geógrafo, e vários hebreus expulsos pelos “fascistas” de outras funções importantes, foram recebidos no Vaticano e ocuparam importantes posições naquele pequeno Estado. Também o famoso Judeu Bernard Beerenson, cumpriu o seu exílio numa propriedade situada nos arredores de Florença, pertencente ao representante diplomático da Santa Sé junto da República de São Marino. Deste modo, Beerenson pôde continuar a trabalhar nas suas obras e a viver na Europa sob a bandeira e a imunidade diplomática do Vaticano. Ali, permaneceu com a sua família até à chegada das tropas anglo-americanas, nos finais do Verão de 1944. Do mesmo modo Humbert Jidin, grande historiador da Igreja, responsável pela maior obra histórica sobre o Concílio de Trento e coordenador da mais conhecida e actualizada história da Igreja, foi recolhido no Vaticano, como Judeu refugiado e aí produziu as suas importantes investigações sobre a História do Concilio de Terento.
P. Senra Coelho

[1] Cf. Eugénio Maria ZOLLI, Auto-biographical Reflections, Sheed and Ward, New York, 1954, pag. 159-161.
[2] Cf. R. LEIBER (S.J.), Pio XII e gli ebrei di Roma, in Civilitá Cattolica, 1943 – 1944, 112, 1961, I, pag. 452.
[3] Cf. K. REPGEN, La Politica Exterior Vaticana em la Época de las Guerras Mundiales, in Manual de História de la Iglesia, Vol. IX, Ed. Herder, Barcelona, 1984, pag. 82.

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