quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Jogo da estima mútua

O percurso mostrava, após cada curva, novas paisagens e deslumbrantes maravilhas da natureza. Havia entusiasmo, satisfação e encantamento nos excursionistas. Porque o trajecto era longo, deu para longas conversas sobre todos os assuntos possíveis – modas, telenovelas, doenças, futebol, netos, religião, política, o passado, o futuro, a educação, as festas. Até houve tempo para muitos comentários, opiniões e segredinhos – invenções surrealistas para tornarem inócuas as murmurações e a má-língua! A proximidade dos assentos convidava a que se falasse a meia voz. Mesmo assim, tanto se cochichava em sussurro, como se diziam novidades em tons mais solenes, como até, de quando em vez, lá saltava uma gargalhada eloquente. Também houve tempo para cantar e rezar. Foi um tempo rápido, porque o dia foi bem passado, sem problemas. Houve quem dissesse que aquele bom ambiente criado pelos excursionistas havia de servir de modelo aos muitos ambientes sociais em que as pessoas estão juntas e convivem: família, locais de trabalho, comunidades paroquiais, comunidades religiosas. E que bom seria se, em vez de um dia (como aquele passeio) fossem milhares de dias! Fruto do entusiasmo, no autocarro tudo se conjugava a que se dessem tais palpites.

Eu fiquei de pulga atrás da orelha. É que pessoas juntas e acomodadas, objectivos e assuntos comuns, opiniões em apreço, e muita conversa – mas tudo num só dia, sem aborrecimentos, sem questiúnculas – não serve de termo de comparação para o que se pensa ser uma comunidade. Um espaço humano assim, por muito bom que seja, é somente uma caricatura de comunidade, uma anedota. As verdadeiras comunidades são outra coisa, têm de ser outra coisa. Não basta juntar pessoas num convento, numa igreja, ou numa casa para se fazer uma comunidade. É necessária uma contínua cedência. Repito: contínua cedência! Para haver comunidade, o primeiro passo é ceder. E, a partir desse passo, nunca mais se pode deixar de ceder. Assim como o ar é essencial à vida, também uma comunidade só respira salutarmente se os membros que a compõem cedem uns em favor dos outros, até mesmo nas coisas em que podem ter razão, em que lhes é devida a primazia e a prioridade. De facto, acontece que, nas comunidades verdadeiras, [sejam religiosas sejam de paróquia sejam de família] há certas pessoas cujo ofício é roubar o oxigénio às outras ou de envenenar o ar antes que alguém o respire. Nunca cedem! Têm as suas manias, obsessões, ideias fixas, pequenos e grandes complexos. E conseguem, com esta mistura, tornar a atmosfera irrespirável. Sob a crosta de uma observância exemplar, escondem um formalismo exagerado e não descansam enquanto não impõem certos comportamentos, os seus. São naturalmente pessoas complicadinhas.

Contrariamente a esta mentalidade, e para provar a essas pessoas que se pode ser diferente, e porque todos formamos comunidades (lar, casa, paróquia), proponho um jogo muito simples: é o jogo da estima mútua. É um jogo sem contra-indicações. É óptimo para crianças, jovens, adultos e idosos. Principalmente para adultos e idosos. Consiste em ver quem consegue apreciar e respeitar mais o outro, quem é mais hábil em descobrir e publicitar uma qualidade alheia, em conseguir falar bem de uma pessoa ausente durante, pelo menos, dez minutos. É natural que alguns não se sintam à vontade neste jogo, por estarem demasiado habituados a ver nos outros só os defeitos e nunca se tenham dignado baixar os olhos para ver que os outros «já não» têm aqueles defeitos porque se esforçaram em ser melhores. O jogo da estima mútua é óptimo para criar espírito de comunidade em qualquer circunstância da vida. É útil e de efeitos maravilhosos. E, apesar de difícil, é o que melhores ambientes proporciona. Estamos certos de que, nas coisas da estima, todos ganham. Neste jogo só perde quem não participa.

P. Madureira da Silva

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