quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Purgatório

Por ser um assunto de cultura religiosa e de catequese nem sempre fundamentada, a palavra «purgatório» evoca, na mente de muitos crentes, católicos ou não, algo semelhante a um lugar de tormentos, uma grande sala de espera onde as almas dos que já estão salvos – mas ainda não totalmente – aguardam a sua hora de entrar no céu. E, enquanto não entram, vão sofrendo toda a espécie de padecimentos, ora submetidas a um frio glaciar, ora submersas em recipientes de metal derretido ou num lago de azeite a ferver, ora mergulhadas num oceano de chamas, do qual emergem cabeças ou braços num desesperado gesto de dor e súplica. É essencialmente através das chamas que, nas telas ou quadros das «almas», os pintores costumam expressar a dimensão do sofrimento. E é nesses quadros que verificamos a aferição do «nível» de purificação em que aquelas almas já se encontram, nível expresso na balança que o Arcanjo São Miguel utiliza quando vem resgatar umas tantas de vez em quando. Quem afirma ou julga que o purgatório é castigo e sofrimento, está a embarcar na carruagem da imaginação amedrontada que se serve da religiosidade popular e pouco esclarecida para aumentar ainda mais os medos e criar todo o tipo de especulações e superstições. E isso é mau!

Atenção: a Igreja Católica nunca ensinou oficialmente que o purgatório tem qualquer espécie de fogo, de gelo ou de padecimento corporal. Então, que ensinou? Já vamos responder. Atendendo a que o nosso destino após a morte não pode ser medido pelo igualitarismo, porque também não foi igualitária a vida, isto é, não houve igualitarismo de acções, pensamentos, atitudes e comportamentos durante a vida de cada um – cada pessoa é em tudo diferente de outra pessoa – também, por uma questão de coerência e de lógica, e porque todos temos consciência do mal que praticamos e do bem que omitimos, não pode ser possível equivaler Madre Teresa de Calcutá com Hitler, ou o papa João Paulo II com Estaline. Esta «exigência» está fundamentada no conceito de justiça e não é só dos homens da Igreja, é de todos os homens do mundo. Mas, como os homens da Igreja tiveram de assumir, na fé, a condução dos povos que lhes estavam confiados desde os primeiros séculos, por exigência pastoral e doutrinal ensinaram a existência de um estado de purificação depois da morte. No séc. XI deu-se a este processo de purificação o nome de Purgatório. Em 1254 o papa Inocêncio IV abordou oficialmente este tema e introduziu essa palavra no âmbito do magistério eclesiástico. Mas foi preciso esperar até ao dia 6 de Julho de 1439, no Concílio de Florença, para se proclamar o dogma do purgatório, da sua existência e dos elementos que o constituem. Por se tratar de um tema complicado, o texto da definição dogmática foi demasiado lacónico e referiu expressamente só três aspectos. O purgatório existe. O purgatório não é um lugar, mas um estado em que os defuntos são purificados. Os vivos podem ajudar os defuntos por meio de sufrágios. [Tudo o mais que se disser não faz parte do dogma].

Destes três aspectos, o primeiro é categórico: há purgatório. O segundo afirma em que consiste: é purificação temporária não localizável em sítio algum, pois é um estado e não um lugar; é de ordem espiritual, realizada pela acção redentora de Cristo, mas condicionada no tempo, na história dos homens, pelos méritos de quem ainda peregrina neste mundo. O terceiro diz que é a confirmação da esplêndida doutrina da solidariedade cristã. Os nossos sufrágios valem a favor daqueles por quem rezamos, daqueles por quem oferecemos os méritos que nos tocam como recompensa das boas acções feitas na mais pura generosidade. É uma doutrina que nos confirma o que, bem no fundo dos nossos corações, já suspeitávamos – que o amor é mais forte que a morte e que a morte não aniquila as relações entre as pessoas, pois estas podem continuar a ajudar-se mutuamente através de actos de amor, tal como o faziam quando viviam na terra.
P. Madureira da Silva

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