quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Somos pessimistas?

Diz-se por aí que o povo português é triste e pessimista, ingovernável e resignadamente conformista – características que têm raízes e origens perdidas nos tempos, nos ciclos civilizacionais e na geografia. O fado e a saudade, os queixumes e a subserviência e muitas outras manifestações socioculturais são exemplos claros desse pessimismo. Nós, portugueses, desta fama não nos livramos e dificilmente passaremos a ser considerados de outro modo. Os mais idosos queixam-se que Portugal vai mal, que os jovens são uns degenerados, que a educação é um caos, que a política é um desastre, que a acção social anda pelas ruas da amargura – e isto é ser pessimista! Os jovens dizem que os pais não os compreendem, que os avós são quadrados e doutro tempo, que os educadores não respeitam a sua liberdade, que a política é uma mentira organizada, que os adultos são uns mentirosos acomodados e gente sem fibra – e isto é ser pessimista! Nunca ninguém está satisfeito, a inveja corrói-nos e a desconfiança absorve-nos. Raramente estamos satisfeitos com o que a vida nos oferece. Se nos perguntam se estamos bem, respondemos que mais ou menos. Se nos safamos de um cataclismo ou de um desastre, suspiramos de alívio: «que sorte, hein!» – e isto é ser pessimista! Povo de brandos costumes!

Desterrado na margem ocidental da Europa, vocacionado para o mar, esquecido do mundo, tem sido Portugal mal tratado pelos povos vizinhos, sobranceiros. E não fôra a gesta dos descobrimentos, o enaltecimento histórico que fazemos das qualidades dos nossos guerreiros, alguns homens ilustres que a história passada e presente enaltece, uns tantos futebolistas e meia dúzia de intelectuais que ousada e destemidamente sobressaíram e sobressaem da mediania, a nossa subserviência ainda seria maior. Somos mesmo pessimistas, de fado e resignação! O pessimismo pode ser muitas coisas. Pode ser o grito camuflado dos que sentem o mal como um diluente corrosivo. Pode ser a mistificação das muitas lamechas com que vamos pintando a existência. Mas também pode ser uma justificação para, no realismo das dificuldades, na solidão e na doença, no abandono e na miséria, dizermos de nós próprios que todo o mal que sofremos é sempre uma fraude à nossa dignidade, porquanto a imoralidade ofensiva dos sem-vergonha usurpa o nosso suor e faz aumentar a desproporção entre cidadãos! Alargando horizontes, generalizando razões e procurando origens do pessimismo, acho que este também assenta raízes na desilusão e nas quebras da confiança exagerada que se põe nos próprios poderes e na riqueza e prestígio dos falsos amigos.

A «feira» do pessimismo está bem sortida. Tem de tudo – mercadorias e mercadores. Tem depressões, esquizofrenias e temperamentos melancólicos. Tem egoísmos voltados para o próprio umbigo, sem sentido altruísta – coisa muito comum naqueles que nunca experimentaram a alegria de ajudar o seu semelhante [ainda que se aproximem dele para carpir os queixumes do costume]. Tem más influências para quem quer ser optimista e desprendido. Tem pessoas que ou nunca tiveram ou já perderam irremediavelmente a faculdade psíquica que dá pelo nome de vontade. Tem gente sem fibra, pessoas desmotivadas e convencidas de que já nada podem fazer de útil, de grande, de conveniente, de necessário – e era tão fácil ser de outro modo... se essas pessoas acreditassem que a vontade é a rainha das nossas faculdades! Sim, sim! Quando há verdadeira vontade, nada é impossível. O pessimismo é a face oculta da vontade! Quando se quer deveras, tudo se consegue. Quando se quer a sério, procuram-se os recursos que conduzem ao êxito. Mas é preciso querer a sério... e os pessimistas estão noutra onda. Querer é poder, diz o ditado! [Permitam-me dizer que é diferente o querer decidido dos que, com esforço e meios apropriados, se comprometem a atingir os objectivos que os norteiam, e o querer caprichoso dos que batem o pé e fazem uma birra para que sejam outros a ter de satisfazer as suas vontadinhas. Neste caso, a vontade identifica-se com o capricho].
P. Madureira da Silva

Sem comentários:

Enviar um comentário