quinta-feira, 18 de março de 2010

Imortalidade?

Ninguém sabe o que é a imortalidade. Os nossos conhecimentos a tal respeito são nulos. Dela só se pode especular no terreno das religiões ou das filosofias esotéricas: Ou se crê ou se não crê. E ponto final! A imortalidade não é uma questão de ciência, mas de fé. Se perguntarmos a qualquer cidadão minimamente formado na fé cristã o que ensina o Novo Testamento sobre o futuro individual do homem após a morte, salvo raríssimas excepções obteremos sempre a mesma resposta: ensina a imortalidade da alma. Esta opinião, apesar de comum, corresponde a um dos mais perigosos mal-entendidos da fé e das outras nossas crenças. Em lugar nenhum da Bíblia se fala em imortalidade da alma. Fala-se em ressurreição do homem. E o homem não é só alma, nem é só corpo. É uma totalidade tão complexa de alma e corpo que a palavra mais ajustada para o definir é a palavra pessoa. O conceito de alma (comummente usado) é originário da filosofia grega, (órfica e platónica), e não da Bíblia. Por isso, como cristãos, não teremos de nos preocupar com a imortalidade da alma, mas com a salvação da pessoa inteira. Devemos preocupar-nos com a pessoa que cada um é, com a generosidade que devemos expandir, com a correspondência fiel aos projectos que acreditamos Deus tem sobre nós. Se assim fizermos, estamos a criar em nós os laços que nos prendem à vida eterna.

É verdade que, ao longo dos tempos, se ensinou a doutrina da imortalidade, para nela inserir as nossas intuições e os nossos desejos de perpetuação. Tal ensino obedecia ao seguinte procedimento: a alma – por ser espiritual – é imortal; e o corpo – por ser material – é mortal. O corpo morre – o que é verificável – mas a alma não. E pronto! Mistificou-se esta doutrina e presumiu-se que nela está toda a verdade acerca do homem, da vida, da morte e da perpetuação. Há quem julgue que, pela insistência na repetição de tal doutrina, ela ganha foros de cientificidade, mas não! Sublinho que o ensino bíblico não fala de imortalidade da alma, mas de ressurreição «do homem» enquanto pessoa inteira. Tenho a convicção de que a morte não tem o poder de extinguir radicalmente a pessoa que eu sou, apesar de não haver nenhuma demonstração científica nem nenhum fundamento rigoroso da minha perenidade (ou do desejo de perenidade). A morte há-de tirar-me a «existência» neste mundo, é verdade, mas não consegue esgotar a minha «essência», não consegue esgotar o meu ser. Por isso, em vez de falar em imortalidade «depois» da morte, prefiro falar de vida pessoal eterna, que já existe aqui, e da possibilidade de me realizar como pessoa na comunhão, na verdade, na liberdade e no amor... porque é dessa forma que eu, neste mundo, me manifesto.

A morte, que se há-de apoderar de mim e me vai deixar cadáver, não me pode destruir como pessoa. Eu não sou simplesmente uma máquina que funciona segundo leis físico-químicas. Eu vivo uma vida que – acredito – não acaba no momento da morte física. É claro que, sobre este tema, não me basta a fé nem a experiência religiosa. Tenho de pisar os terrenos da esperança. Trata-se de «uma certeza» ainda não possuída, mas tão-somente garantida. E como o assunto sobre a vida eterna cria preocupações nas pessoas crentes mais que nas outras, sou levado a afirmar que, em contexto de fé cristã, a esperança de que havemos de ressuscitar depende estritamente da nossa capacidade de amar. Aquele ser que amamos, queremo-lo para sempre, não queremos que se perca, não admitimos que acabe! Faço, neste contexto, uma pergunta pertinente: de quem (e de quê) andamos nós enamorados para o eternizar e nos eternizarmos a nós? Quero dizer: existe algum ser, uma causa, um estado de vida que apreciemos o bastante para desejar que faça parte da nossa eternidade? Existe algum ser a quem amemos de modo que desejemos para ele a eternidade? Quem julga a vida tão boa para a querer infinita? E não nos esqueçamos de que morrer não se opõe a viver, mas a nascer – o que configura a ideia que distingue «ser» e «existir». Somos sempre... apesar de, com a morte, deixarmos de existir.
P. Madureira da Silva

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