quinta-feira, 22 de abril de 2010

Mentalidade de consumidor

A quase totalidade das pessoas já tomou consciência de que a publicidade – na sua acção de propaganda e manipulação – se tem revelado contraproducente, na exacta medida em que se converteu em planificada intervenção ilícita na consciência do consumidor, alterando-lhe o desejo e a vontade e degenerando-lhe a autonomia e a liberdade de escolha. A todas as horas somos bombardeados por slogans que, espremidinhos, dizem que o supérfluo é o necessário, que o útil é o bom e que as roupas de marca é que estão a dar. Está em causa o tão badalado pluralismo. Aumenta a dificuldade em reflectir, comparar, discernir, opinar e optar. O problema põe-se ao descobrir-se que a realidade do pluralismo é só um mito, porque, por detrás de tal pluralismo, escondem-se os interesses egoístas duma classe social determinada ou duma visão economicista ou dum grupo de pessoas que orientam, a seu bel-prazer e no seu interesse, o conteúdo dos mesmos. É um facto que, onde os meios de comunicação dependem exclusivamente da situação do mercado ou da ideologia política que governa, cresce a tentação de dirigir as paixões e os instintos dos que compram a informação. Jornais, revistas, editoras, rádio, televisão, todos dependem, em grande parte, da boa vontade de publicistas que, logicamente, estão mais preocupados em apresentar o seu produto do que em servir um público maduro e adulto.

É uma ingenuidade pensar-se que os anúncios são feitos em função da compra de determinados produtos. A maneira e o estilo, assim como a influência com que se concebe a publicidade, dirigem-se sobretudo a formar uma “mentalidade de consumidor”, a “criar necessidades” – necessidades artificiais – que distorcem a imagem e a escala de valores no coração das pessoas e dos grupos. É enorme a oferta de pontos de vista, de orientações e de concepções acerca de tudo – acontecimentos, factos e fenómenos. É que a técnica publicitária costuma recorrer muito satisfatoriamente à psicologia de massas na qual forma, por assim dizer, os seus manipuladores profissionais. Só assim pode convencer as pessoas de que valem tanto mais quanto maior poder de compra tiverem, o que, por sua vez, se demonstra na aquisição de determinados produtos em vez de outros. As pessoas que diariamente estão expostas durante longo período do seu tempo à influência dos anúncios tentam medir tudo de forma quantitativa – até a sua própria escala de valores – do mesmo modo que avaliam os tão elogiados bens ou produtos que a publicidade apresenta e promove. É o consumismo no seu mais puro talante! Não há ponderação na hierarquia das necessidades. Tudo passa a ser importante! Tudo vale da mesma maneira!

Num qualquer supermercado, nunca compramos só o que nos tínhamos proposto comprar. Adquirimos sempre qualquer inutilidade que a publicidade lá encontrada nos convence ser útil e necessária. E quem poderá dizer «desta água não beberei?» As promoções todos os dias variam! Ganhamos pontos em cartão e ficamos fidelizados! Mas voltemos ao tema: a publicidade, na sua arte de sedução, utiliza palavras, figuras, símbolos, cartazes e todos os meios de comunicação. Mas o poder da publicidade não se fica na acção de convencer os consumidores para adquirirem um determinado produto em vez de outro. Vai mais além do mero campo da produção e do consumo. Cria, inventa e promove as necessidades. E, uma vez criadas, a lavagem ao cérebro fica facilitada e os anúncios ganham maior e mais rápida eficácia. É-nos difícil delimitar as fronteiras entre, por um lado, uma arte razoável de convencimento e persuasão, pela qual se oferecem ideias e produtos – dignas umas e necessários ou aproveitáveis outros – e, por outro, a manipulação de milhões de pessoas pela oferta de coisas inúteis e de pensamentos egoístas. Mas uma coisa é certa: cada um de nós tem hoje necessariamente de se armar dum sentido crítico que o impeça constantemente de estar sujeito à maquiavélica acção destes sedutores.
P. Madureira da Silva

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