quarta-feira, 11 de março de 2009

A DIDACHÉ (c. 70 d. C) E A PRIMITIVA LEGISLAÇÃO ECLESIÁSTICA E LITÚRGICA

COMENTÁRIO AO TEXTO (2ª parte)

O baptismo e as exigências da vida cristã

Para além da fórmula neotestamentária proferida pelo próprio Jesus no mandato que fez aos apóstolos (Cf. Mt, 28,19), estamos perante a mais antiga indicação da fórmula trinitária na administração do baptismo (VII,1), e que se distinguia claramente dos congéneres rituais judaicos.

Segue-se imediatamente a norma sobre o tipo de água a utilizar no ritual: «em água viva ou corrente, embora se possa também, no caso de não ser possível dispor dessa água, baptizar em “outra água” (VII,2). Por outras palavras, a concessão de baptizar por infusão prende-se com a dificuldade de, em muitas circunstâncias, encontrar água corrente (em rios ou mananciais) e em quantidade suficiente, pelo que acaba por admitir-se o uso de água morna (sem o vigor da água corrente) e mesmo, em último caso, o simples derramamento de água três vezes sobre a cabeça do neófito. Por onde se conclui que as comunidades ainda não dispunham de locais apropriados destinados à administração do baptismo.

Contudo, tanto na forma mais vulgar (imersão) como na forma excepcional (infusão) é sempre obrigatória a utilização da fórmula trinitária (Cf.VII,3). Trata-se, pois, da inserção de um novo membro na família cristã, que tem por fonte excelente a comunhão da Trindade.

Além disso, é possível ainda que a recepção do baptismo fosse precedida de uma catequese, que poderia logicamente coincidir com a das “Duas Vias” (I-VI), bem como de alguma forma de renúncia (Cf. VI,3).

O rito baptismal era ainda precedido por um período de jejum do baptizando (para este, pelo menos um ou dois dias), do ministro administrador bem como dos outros membros da comunidade cristã (Cf. VII,4). Por aqui se pode concluir, portanto, que a recepção do baptismo implica um prévio período de penitência, como forma de reconhecimento do pecado e consequentemente como purificação e conversão com vista à opção por um novo modo de viver de acordo com os preceitos evangélicos.

Para além deste jejum “pré-baptismal” havia um outro semanal. A escolha das quartas e sextas feiras contrastava com os dias fixados pelos judeus piedosos (quintas-feiras e sábados) (Cf. VIII,1), tratando-se efectivamente de um traço de anti-judaísmo ao desejar manter uma autêntica e lógica separação entre a comunidade cristã e a sinagogal.

A mesma preocupação anti-judaica manifesta-se no que toca à oração. Se os judeus rezavam as bênçãos ou o “Shemonehesreh”, o didaquista, pelo contrário, deseja substituir estas fórmulas por aquelas que o Senhor ordenara no evangelho: o Pai-Nosso (VIII,2) três vezes ao dia (VIII,3).

Além disso ainda, podemos concluir, pela leitura dos textos, que o sacramento do baptismo encontra-se intimamente ligado ao da eucaristia, pois os não baptizados estavam expressamente excluídos da recepção da eucaristia (Cf. IX,5). A eucaristia é, pois, e exclusivamente, um sacramento de e para baptizados.

Iremos, então, no próximo artigo, comentar a profunda teologia eucarística que nos oferece o didaquista.

Drª. Teresa Pereira

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