quinta-feira, 4 de junho de 2009

HÁ CRITÉRIOS E CRITÉRIOS!

A sociedade actual não só não reconhece os valores espirituais como também não considera quem se esforça em os promover e cumprir. O critério mais comum pelo qual se é considerado em sociedade está na exacta medida em que se é materialmente útil, produtivo. Levados por este critério materialista, todos corremos atrás de valores enganadores, orquestrados por pérfida publicidade. Mesmo tendo consciência de que esse não é o bom caminho, parece que não nos resta alternativa; como que nos sentimos obrigados a alinhar com a mentalidade reinante. Veja-se. Os critérios que normalmente orientam as pessoas são quatro: ter – manifesto na ânsia de riqueza e posse; poder – manifesto na vontade de domínio sobre os outros; gozar – manifesto na ânsia de retirar da vida as maiores vantagens e o maior prazer; saber – como meio de poder mais, ter mais e gozar mais. São quatro critérios tão antigos como o homem, todos com a pretensão de responder aos anseios profundos e ao mito de que a vida só tem sentido quando assenta nesses critérios. Com significado equivalente, usam-se as palavras dinheiro, saúde e amor. Partimos do princípio de que a felicidade se identifica com ter muito dinheiro, muita saúde, muito prazer e muito domínio sobre os outros. Tenha-se em conta que um paraíso assim, com essa felicidade toda, não existe nem sequer nas fantasias dos contos infantis! A verdade da vida está muito para além desses critérios. Nem a felicidade nem a vida se esgotam neles.

Quem é que não sabe que, bem diferentes destes e até opostos, há outros critérios que se fundamentam nos mandamentos e nas bem-aventuranças? Quem é que não sabe que o que dá maior grandeza ao ser humano é a sua capacidade de dar muito mais que a de receber e ter? Quem é que não sabe que, em espírito de amor e de serviço, há outros modos de se estar na vida, de ser feliz, de utilizar a linguagem do coração e do amor em vez da dos cifrões? Quem é que não sabe que a felicidade (também) se encontra nos momentos, nas palavras e nos gestos simples dos que são prestáveis, não importa se com espírito cristão ou outro? Quem desconhece a alegria enorme que brota na vida daqueles que não descansam enquanto não fazem felizes os outros? Quem ignora que o verdadeiro optimismo está em ter percebido que as bem-aventuranças não são um código cujo valor é para o além, mas para o aquém? É, aliás, por isso que o optimista, por mais ingénuo que pareça, é sempre feliz porque confia nos homens e com eles constrói a vida. Corre riscos, mas não se detém quando encontra obstáculos. Está atento às pessoas. Deixa-as falar, dedica-lhes tempo, ouve-as. Prefere contar com as qualidades positivas que todos os seres humanos têm. Apesar de saber que muitos homens são fracos, mesquinhos e maus, prefere ver neles o que têm de mais criativo. Confia!

A este respeito muito bem escreveu S. Paulo aos Filipenses (Fil 2, 1-7) ao afirmar que, na relação humana, nada se deve fazer por ambição individualista (avareza) nem por vaidade mesquinha (soberba), mas que aos outros deve ser dada a primazia; que deve haver interesses, sim, desde que favoreçam os outros antes de favorecerem o próprio; que o paradigma é o próprio Jesus que tomou a condição de servo e se fez obediente até à morte, Ele que veio para servir e não para ser servido. A este propósito, não é por nada em especial, mas a sociedade actual urge de cada um de nós uma mudança radical de critérios! Se o prezado leitor é cristão, então recorde-se que o evangelho lhe indica dois caminhos para ser feliz: o caminho das bem-aventuranças e o da humildade. São dois caminhos totalmente diferentes dos que o mundo propõe. São caminhos radicais! “Quem entre vós quiser ser grande, seja o vosso servo”. Felizes são os que sofrem injustiças e não são vingativos, os sedentos, os famintos, os construtores da paz, os puros de coração, os injuriados que respondem com amabilidade. Felizes os que, religiosamente, precisam do Outro da mesma maneira que precisam de todos os outros de quem dependem e a quem muito querem. O repto está lançado e o projecto está traçado. Ser feliz deste modo é calcorrear os caminhos de Deus.

P. Madureira da Silva

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