terça-feira, 24 de novembro de 2009

Inácio de Antioquia e a unidade e catolicidade da Igreja

Análise teológica

A teologia do mártir de Antioquia é unitariamente trinitária. Jesus é o nosso Deus e Deus é Trindade: Pai, Filho e Espírito (Eph XVIII,2). A acção divina é, pois, comum às três Pessoas. O nascimento miraculoso de Jesus no seio de Maria é explicitamente atribuído ao Espírito. Do mesmo modo, a obra da salvação é comum às três Pessoas Divinas. Pela leitura das cartas, podemos efectivamente concluir que a “ideia mestra” de toda a doutrina inaciana é, sem dúvida, a unidade (comunhão). Em primeiro lugar, a unidade intra-trinitária: unidade do Pai (Cf. Magn VIII,2); unidade entre o Pai e o Filho (Cf. Magn VII,2; Eph XXI,1; Phil I,1) e unidade no Filho, Jesus Cristo, na dualidade das naturezas (carnal e espiritual), tal como se pode comprovar pelas suas confissões de fé (Tral IX,1-2; Smyrn I,1-2 ; Magn XI; Cf. 1 Co 15,3) . Em consequência desta, vem a unidade (comunhão) do cristão com Cristo, a qual comanda toda a vida espiritual (Magn I,2; VI,2; Eph VIII,2) e a unidade dos cristãos na Igreja, visivelmente encabeçada pelo bispo e alimentada pela eucaristia (Cf. Phil VII,2; Magn XIII,2; Smyrn I,2; Eph III,2; Smyrn VIII,2;Tral III).

Vamos, pois, analisar de forma mais concreta as diversas expressões desta magnífica doutrina da unidade. Comecemos pela relação entre a Fé e a Caridade.

FÉ E CARIDADE

Existe um binómio de palavras e conceitos que o bispo de Antioquia repete com frequência e se torna indispensável para melhor compreender a sua profunda teologia. Trata-se precisamente da fé e da caridade. Por aqui se depreende que Inácio desconhece a trilogia de Paulo (fé, esperança e caridade). Estas duas palavras, que raramente aparecem dissociadas, constituem a síntese de toda a vida cristã, sendo a fé o princípio e a caridade o fim (telós) da vida (Eph XIV,1). Estas duas virtudes são o critério e o caminho do verdadeiro discípulo, os dois pólos da vida cristã. Ou, como ele mesmo sintetiza: as duas reunidas é Deus e tudo quanto diz respeito à perfeição ou santidade do homem. Numa bela imagem, a propósito da construção do templo de Deus em nós, explica: “A vossa fé é o guia, en-quanto a caridade se transforma em caminho que vos conduz até Deus” (Eph IX,1). Por outras palavras, enquanto a fé eleva o homem e o projecta para o alto, a caridade torna-se o caminho desta elevação.

Fé e amor em quê ou em quem? Na paixão de Cristo. Noutras passagens das suas Cartas (Cf. Tral VIII,1-2) o bispo de Antioquia diz as coisas de forma mais lapidar e concisa: a fé a carne do Senhor e a caridade o sangue derramado na paixão. Assim, o objecto central da nossa fé é a carne de Cristo, ou seja, o mistério da sua morte e ressurreição, mistério este permanentemente presente, renovado e participado na eucaristia. O sangue derramado do Senhor é a prova, a expressão e o símbolo do seu amor (caridade) por nós e, ao mesmo tempo, o paradigma e fundamento do nosso amor (caridade) para com Ele e os irmãos. Na Carta que escreve aos cristãos de Esmirna, afirma deste modo tão profundo: “Possuis uma fé inabalável, como se estivésseis pregados de corpo e alma sobre a cruz do Senhor Jesus Cristo, confirmados na caridade no sangue de Cristo, cheios de fé em Nosso Senhor” (Smyrn I,1). Existe apenas uma passagem onde a caridade não se encontra directamente associada ao sangue de Cristo, mas somente à própria fé, que significa, pois, uma transposição para a vida: “O essencial é a fé e a caridade” (Smyrn VI,2). E logo a seguir lança uma forte “ripada” aos que não acreditam em Jesus Cristo e não se preocupam com as viúvas e os órfãos, os oprimidos e prisionei-ros...enfim, as grandes chagas sociais de então.

Em síntese e do que se deduz do pensamento inaciano, a vida cristã radica essencialmente na profissão e prática destas duas virtudes, sem as quais não se pode compreender e viver, de forma plena, as exigências evangélicas do cristianismo.

Drª. Teresa Pereira

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