quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

As nossas seguranças

Na aurora do pensamento ocidental, na Grécia antiga, o homem considerava o mundo e os seres como realidades que se bastavam a si mesmas. O mundo era estável. E essa estabilidade dava-lhe segurança, mesmo muita segurança. Não sabia explicar as suas leis, mas sentia-se confortável no mundo. Depois, com o advento do cristianismo, e afirmada a existência de Deus transcendente e criador, o homem perdeu a segurança no mundo físico estável, agora apresentado como realidade contingente, criada; mas depressa voltará a sentir-se seguro, ao reconhecer a sua relação de criatura com Deus criador, pois, perdida a segurança neste mundo, vai encontrá-la em Deus. Durante toda a Idade Média, foi esta perspectiva que vingou. A partir do século XVI, o homem começou a olhar demasiado para a sua própria sombra: não queria a segurança em Deus; preferia a segurança na sua própria razão. O expoente desta perspectiva desembocou no século das luzes e nas teorias da exaltação racionalista do saber. Isto foi passageiro, pois o final do século XIX (com a industrialização e as consequentes situações críticas do proletariado) desmistificou essa exaltação racionalista. O homem deu-se conta de que não é propriamente um ser racionalmente dominador: é um ser de carne e osso, que vive no terreno da pura possibilidade, da angústia, do fracasso, do desespero; a deusa razão foi substituída pela escrava vontade e o homem sentiu-se desamparado. Perdida a segurança na razão e sentindo-se desamparado pela escrava vontade, foi procurá-la na tecnologia, como possibilidade de domínio do mundo.

É esta a sua postura actual. A tecnologia permite-lhe manipular toda a realidade, pondo-a ao seu serviço. De tal maneira são notáveis os progressos em todos os campos, que nenhum problema, por mais difícil que pareça, surge sem a concomitante possibilidade de solução. É claro que tudo isto não passa de uma sugestão colectiva, pois milhares de satélites vagueiam pelo espaço vigiando os nossos passos, retirando-nos a paz e a privacidade. Mesmo que as comunicações electrónicas e as descobertas na saúde tenham atingido um grau elevado e até o genoma humano tenha sido descodificado, continua a ser um mito que a tecnologia seja a nossa segurança. Que acontecerá se houver um «apagão» geral que dure mais de cinco horas? No mundo electronicamente civilizado haverá alguma coisa que não seja afectada? Os homens acreditam que sabem tudo, que nada pode escapar ao seu controle, quer estejam em causa as relações humanas particulares quer as internacionais. Pois é! mas a tecnologia evoluiu tanto que o homem lhe perdeu o controle! Pior: a tecnologia até se põe contra o próprio homem (basta lembrar a bomba atómica, as técnicas publicitárias, as sondagens, as manipulações). A tecnologia tornou-se um universo autónomo. Em vez de satisfazer e resolver as necessidades humanas, antecipa-as e cria-as (quem é que num supermercado ainda não comprou dezenas de futilidades porque lhe fizeram crer que eram absolutamente necessárias)?

Hoje, neste século XXI, o homem encontra-se perdido no meio de tanta tecnologia, de tantas armas sofisticadas e de tantos perigos insuspeitados. Atingiu o máximo vazio de segurança. O seu mundo não é o da natureza dos antigos (ainda que os ecologistas se esforcem em retomar tal convencimento), nem o paraíso prometido na Idade Média, nem o universo deduzido a partir da Razão. A técnica absorve o mundo inteiro, com as suas gentes e as suas coisas, num processo de domínio e de posse, e o homem corre o risco da sua autodestruição pelas armas que inventou e utiliza. Estamos a viver uma cultura de fins de tempo em que a lei da eficácia e da luta pela sobrevivência nos absorvem em demasia. O terrorismo não escolhe momentos nem alvos específicos. É gerado a nível internacional e até cósmico. Ao mesmo tempo, – por razões óbvias – vão aparecendo sinais de mudança, razões do coração, alertas contra a tirania da ciência e da razão. Não faltam gritos a exigir um urgente reavivar duma maior confiança uns nos outros.

P. Madureira da Silva

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