sexta-feira, 5 de março de 2010

Comentário às Leituras do Domingo III da Quaresma (ano C)

Um comentário um pouco diferente... porque é Quaresma...

No anúncio de Jesus e na experiência da sua vida, o erro de um homem deverá ser carregado às costas por todos. Todos somos envolvidos e ninguém que vive sobre a terra pode ser dispensado do caminho a percorrer por toda a humanidade. Pensemos no que acontece a Moisés, chamado por Deus a libertar o seu povo da escravidão do Egipto. Moisés era um homem livre, longe dos problemas do seu povo, vivia afastado, na paz da sua casa e da sua família. Mas, segundo Deus, deveria entrar na tragédia do seu povo, levar sobre as suas costas, como todos, o peso de uma libertação. Assim, quem experimentou a liberdade tem, mais do que qualquer outro, uma responsabilidade por situações de escravidão de outros homens.

Olhemos o Evangelho: também ele nos envolve a todos em cada acontecimento que sucede na vida do mundo. Nós, no geral, não nos sentimos minimamente responsáveis daquilo que acontece na outra ponta do mundo, ou na casa ao lado, ou no país vizinho. O Evangelho, ao contrário, faz-nos companheiros de desventura de todo aquele que sofre...

As nossa confissões deveriam ser, talvez, a proclamação diante de Deus de toda a violência que já experimentámos: não só a violência por nós realizada, mas também aquela da qual fomos somente espectadores, onde não manifestámos qualquer esforço para a impedir.

Deus quer libertar-nos a todos da escravidão em que vivemos; e o Deus libertador apresentou-se, disse o seu nome: «Eu sou Aquele que sou» (Ex 3,14). Deus é aquele que eu e tu vimos meter na prisão e nada fizemos para o libertar; é aquele errou sem que nós movessemos um dedo para o fazer sair do seu pecado.

Eu sou Aquele que vive, que existe, que encontro, que está a meu lado, que é homem... O nosso Deus vive na história, nas crónicas dos nossos jornais, enquanto nós o afastámos, o colocámos em templos, em lugares sagrados, em ritos... Isto não é um sinal de respeito, mas somente uma forma gentil de nos libertarmos de Deus, para termos mais espaço para nós, para não haver um Deus que interfira na nossa vida de cada dia e que nos questione.

Mas Deus, por sua vez, questiona as nossas escolhas políticas, quando significam o bem estar para alguns e a fome para muitos; questiona as nossas escolhas económicas, quando a mudança de estruturas significa a falta de trabalho para tantos; questiona as nossas escolhas religiosas quando é esquecida a dignidade da mulher, ou se apoiam em preferências, ou quando são dados privilégios aos poderosos, enquanto os pobres são esquecidos e deixados no último lugar das nossas assembleias.

O Deus que tem o nome «Eu sou Aquele que sou» vem até nós para dar luz à nossa história e, na sua luz, revelar-nos a escravidão da qual sair, os pecadores a quem converter, os escandalos dos quais pedir perdão, sobretudo aqueles escondidos, dos quais muitas vezes nem nós própios somos conscientes.
P. Francisco Couto

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