quarta-feira, 10 de março de 2010

Preparando-nos para receber Bento XVI

Jesus fundou a sua Igreja sobre o alicerce dos Apóstolos

Nosso Senhor Jesus Cristo confiou a um grupo de “doze” a Sua missão salvífica: “Foi-me dado todo o poder no céu e na Terra. Ide, portanto, fazer discípulos todos os povos, baptizando-os… ensinando-os… Eu vou permanecer convosco até à consumação dos tempos.” (Mt. 28, 18-20). São estes “doze” e os seus sucessores quem, pode dar a suprema garantia da fidelidade da Igreja ao Espírito do Seu Fundador – daí que a unidade da Igreja, assim como a catolicidade tenham de entroncar na apostolicidade. Com efeito, a Igreja não é una se não estiver em consonância com a Igreja apostólica; a Igreja não é católica se não for idêntica àquela que nasceu de Jesus Cristo com os “Doze”. A apostolicidade é, por assim dizer, o fundamento das outras propriedades da Igreja de Cristo.

Apóstolo é aquele que viveu com Cristo desde o Baptismo de João e que pode dar testemunho da Sua Ressurreição (Cf. Act. 1, 21-22); é aquele que recebeu directamente de Cristo uma missão particular por força da qual há-de anunciar o Evangelho com autoridade; é um dos “doze” que Jesus escolheu directamente, ou alguém que a eles seja agregado, por indigitação do Espírito Santo.

O artigo procura levar aos leitores, na forma coloquial de entrevista, o denso ensinamento da Sua Santidade Bento XVI, proferida a 15 de Março de 2006, durante a Audiência Geral das Quartas-feiras; sob o título «A vontade de Jesus sobre a sua Igreja e a escolha dos Doze».

Quem desejar aprofundar a temática, tem ao dispor o livro Os Doze Apóstolos e os primeiros discípulos de Jesus, Ed. Paulus, 2008, da responsabilidade do autor deste artigo.

O tema que vamos aprofundar com a ajuda do Papa é essencial para percebermos a missão dos Doze, entre os quais se situa Pedro, de quem o Bispo de Roma é sucessor e para percebermos como é desfocada a atitude dos que dizem «Jesus Sim, a Igreja Não.»

1- Santo Padre, Nosso Senhor Jesus Cristo, ao escolher os “Doze” Apóstolos e ao formar com eles uma comunidade de vida, demonstrou a seu decisão de fundar a sua Igreja sob o alicerce dos Apóstolos. Ajude-nos a perceber com mais clareza esta decisão e esta escolha de Jesus.
A Igreja foi constituída sobre o fundamento dos Apóstolos como comunidade de fé, de esperança e de caridade. Através dos Apóstolos, remontamos ao próprio Cristo. A Igreja começou a construir-se quando alguns pescadores da Galileia encontraram Jesus, deixaram-se conquistar pelo seu olhar, pela sua voz, pelo seu convite caloroso e forte: "Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens" (Mc 1, 17; Mt 4, 19). O meu amado Predecessor João Paulo II propôs à Igreja, no início do terceiro milénio, que contemplasse o rosto de Cristo (cf. Novo millennio ineunte, 16ss.). Seguindo também eu a mesma direcção, gostaria de realçar como precisamente a luz daquele Rosto se reflecte sobre o rosto da Igreja (cf. Lumen gentium, 1), apesar dos limites e das sombras da nossa humanidade frágil e pecadora. Depois de Maria, reflexo puro da luz de Cristo, são os Apóstolos, com a sua palavra e com o seu testemunho, que nos ensinam a verdade de Cristo. Contudo, a sua missão não está isolada, mas insere-se num mistério de comunhão, que envolve todo o Povo de Deus e realiza-se por etapas, da Antiga à Nova Aliança.

2- Santo Padre, a cultura actual e o modo como a sociedade se estrutura nos nossos dias fazem surgir, de modo bastante acentuado, mentalidades muito individualistas e até auto-suficientes. Parece que a modernidade deseja prescindir das vinculações interpessoais e das comunidades, acentuando-se o isolamento e a solidão. Como vê Vossa Santidade a mensagem de Nosso Senhor Jesus Cristo em relação a estas realidades. Parece que Jesus falou em primeiro lugar a um povo e que com esse povo procurou formar comunidades da Nova Aliança e que mostrou claramente que a sua mensagem não é individualista, mas que se vive em comunidade. Ajude-nos a aprofundar esta dimensão da nossa Fé.
Em relação a isto deve dizer-se que será mal compreendida a mensagem de Jesus, se a separarmos do contexto da fé e da esperança do povo eleito: como João Baptista, seu imediato precursor, Jesus dirige-se em primeiro lugar a Israel (cf. Mt 15, 24), para ali fazer a "colheita" no tempo escatológico juntamente com ele. Assim como a de João, também a pregação de Jesus é ao mesmo tempo chamada de graça e sinal de contradição e de juízo para todo o povo de Deus. Por conseguinte, desde o primeiro momento da sua actividade salvífica Jesus de Nazaré procura reunir o Povo de Deus. Mesmo sendo sempre a sua pregação um apelo à conversão pessoal, ele na realidade tem continuamente por objectivo a constituição do Povo de Deus que veio reunir e salvar. Portanto, torna-se unilateral e sem fundamento a interpretação individualista do anúncio que Cristo faz do Reino, assim resumida por Adolf von Harnack nas suas lições sobre A essência do cristianismo: "O reino de Deus vem, porque vem em homens individualmente, encontra acesso à sua alma e eles recebem-no. O reino de Deus é o senhorio de Deus, certamente, mas é o senhorio do Deus santo em cada um dos corações" (Lição Terceira, 100s). Na realidade, este individualismo da teologia liberal é uma acentuação tipicamente moderna: na perspectiva da tradição bíblica e no horizonte do hebraísmo, nos quais a obra de Jesus se situa mesmo com toda a sua novidade, é evidente que toda a missão do Filho feito homem tem uma finalidade humanitária. Ele veio precisamente para convocar a humanidade dispersa, veio para reunir e unir o povo de Deus.

Um sinal evidente da intenção do Nazareno de reunir a comunidade da aliança, para manifestar nela o cumprimento das promessas feitas aos Pais, que falam sempre de convocação, de unificação, de unidade, é a instituição dos Doze. Ouvimos o Evangelho sobre esta instituição dos Doze. Leio mais uma vez a parte central: "Jesus subiu depois a um monte, chamou os que Ele queria e foram ter com Ele. Estabeleceu doze para estarem com Ele e para os enviar a pregar, com o poder de expulsar demónios. Estabeleceu estes doze..." (Mc 3, 13-16; cf. Mt 10, 1-4; Lc 6, 12-16). No lugar da revelação, "o monte", Jesus com uma iniciativa que manifesta absoluta autoconsciência e determinação, constitui os Doze para que sejam com Ele testemunhas e anunciadores do acontecimento do Reino de Deus. Sobre a historicidade desta chamada não existem dúvidas, não só devido à antiguidade e à multiplicidade dos testemunhos, mas também pelo simples motivo que nela se encontra o nome de Judas, o apóstolo traidor, apesar das dificuldades que esta presença podia causar à comunidade nascente. O número Doze, que evidentemente evoca as doze tribos de Israel, já revela o significado de acção profético-simbólica implícito na iniciativa de fundar novamente o povo santo. Tendo terminado há tempo o sistema das doze tribos, a esperança de Israel estava depositada na sua reconstituição como sinal da vinda do tempo escatológico (pensemos na conclusão do livro de Ezequiel: 37, 15-19; 39, 23-29; 40-48). Ao escolher os Doze, introduzindo-os numa comunhão de anúncio do Reino em palavras e acções (cf. Mc 6, 7-13; Mt 10, 5-8; Lc 6, 13), Jesus pretende dizer que chegou o tempo definitivo no qual se constitui um novo povo de Deus, o povo das doze tribos, que agora se torna um povo universal, a sua Igreja.

3- Portanto, Santo Padre, não poderemos nunca embarcar na atitude “Jesus Sim, Igreja Não”. Parece-nos que Jesus Cristo, a Igreja e os Apóstolos formam uma unidade, que os próprios Bispos, Presbíteros e Diáconos exprimem. Estamos certos?
Com a sua própria existência os Doze chamados de proveniências diferentes tornam-se um apelo para Israel inteiro para que se converta e se deixe reunir na nova aliança, pleno e perfeito cumprimento da antiga. Ter-lhes confiado na Última Ceia, antes da sua Paixão, a tarefa de celebrar o seu memorial, mostra como Jesus quisesse transmitir a toda a comunidade na pessoa dos seus chefes o mandato de serem, na história, sinal e instrumento da reunião escatológica, com ele iniciada. Num certo sentido podemos dizer que precisamente a Última Ceia é o acto da fundação da Igreja, porque Ele se oferece a si mesmo e cria desta forma uma nova comunidade, uma comunidade unida na comunhão com Ele. Sob esta luz, compreende-se como o Ressuscitado lhes confere com a efusão do Espírito o poder de perdoar os pecados (cf. Jo 20, 23). Os doze Apóstolos são, desta forma, o sinal mais evidente da vontade de Jesus em relação à existência e à missão da sua Igreja, a garantia de que entre Cristo e a Igreja não existe contraposição alguma: são inseparáveis, não obstante os pecados dos homens que pertencem à Igreja. Portanto, é totalmente inconciliável com a intenção de Cristo uma propaganda que estava na moda há alguns anos: "Jesus sim, Igreja não". A escolha deste Jesus individualista é um Jesus fruto da fantasia. Não podemos ter Jesus sem a realidade que Ele criou e na qual se comunica. Entre o Filho de Deus feito homem e a sua Igreja existe uma profunda, inseparável e misteriosa continuidade, em virtude da qual Cristo está presente hoje no seu povo. Ele é sempre nosso contemporâneo, é sempre contemporâneo na Igreja construída sobre o fundamento dos Apóstolos, está vivo na sucessão dos Apóstolos. E esta sua presença na comunidade, na qual Ele mesmo se oferece sempre a nós, é o motivo da nossa alegria. Sim, Cristo está connosco, o Reino de Deus vem.
P. Senra Coelho

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