quinta-feira, 29 de abril de 2010

Liberdade e dignidade

Desde a revolução francesa, a palavra com maior carga sociopolítica é a palavra «liberdade» e, por isso, é tanto mais reivindicada quanto mais os poderes a pisam ou negam. Mesmo sendo “própria” da natureza humana, está permanentemente ameaçada pela debilidade, pela dependência do mal e por um conjunto de circunstâncias eventuais. De facto, bem podemos afirmar que a liberdade não é somente um estatuto com que se nasce, é essencialmente um “poder”. O homem nasce livre, estruturalmente livre; e anseia por exercer esse poder. Ao longo da sua vida consciente, tem a possibilidade de se configurar com as livres decisões que toma e, assim, influenciar a configuração do mundo. Mas nem sempre o faz «responsavelmente» – o que é uma pena! Pensando, dizendo ou agindo, nada fica sem ter alguma efectividade; tudo tem consequências, tudo produz resultados, mesmo que só venham a verificar-se mais tarde. Naturalmente livre é aquele que consegue realizar as suas decisões em conformidade com a verdade e a experiência. Responsavelmente livre é aquele que, agindo em consequência, não se verga a inclinações, impulsos e caprichos. Ser naturalmente livre é tarefa essencial da vida; ser responsavelmente livre é comprometer-se com e pela liberdade, sempre na iminência de ser chamado a contas pelos actos deliberadamente decididos e realizados.

É então a liberdade um conceito essencialmente sociopolítico. Muito apetecível, é frequentemente utilizado por todos os partidos como «slogan» próprio – o que lhe dá significações diferentes e aplicações diversas. Muitos cidadãos receiam, por isso, que ela oscile e se estatele entre esquerda e direita por um qualquer pequeno motivo, e que afecte, em última análise, a sua dignidade de cidadãos. Desde que foi convertida em tema essencial e central nas chamadas democracias modernas, entrou na promulgação das leis fundamentais, (Constituições) e na configuração dos princípios básicos dos Estados. Foi aí que, ganhando um conteúdo público, ganhou também a significação de dignidade. A liberdade e a dignidade alicerçam as Constituições políticas dos Estados democráticos e dão-lhes um peso tal que os cidadãos – portadores dos mais altos valores espirituais e morais –, a elas recorrem quando não são respeitados nem defendidos daquilo e daqueles que atentam contra eles. No contexto político, ser cidadão equivale a ser livre e a ser respeitado na sua dignidade. Historicamente custou sangue, mas é-nos particularmente agradável saber que a liberdade e a dignidade são consideradas por uma grande parte da humanidade como algo de lógico e natural.

Mas... uma coisa é a teoria e outra é a prática. Se consideramos a liberdade, mesmo sem o pensar, como a coisa mais natural do mundo, o mesmo não fazemos acerca da dignidade. A título de exemplo, pergunto: – Até que ponto estaremos dispostos, se for necessário, a sacrificar qualquer coisa para defender a dignidade, como o fazemos para defender a liberdade? Não! Não se trata do problema da defesa militar do país para garantir a sua independência. Trata-se da defesa da dignidade humana, nas mais diversas situações em que se é vítima de preconceitos, pensamentos, actos, palavras e atitudes. Quanta dignidade não desprezámos, quanta ignomínia deixámos amontoar-se, só pelo facto de não permitirmos que o nosso bem-estar, a nossa tranquilidade e comodidade fossem molestados, apesar de sabermos que a vida se vê cada vez mais influenciada, mais administrada, mais organizada e mais manipulada por forças internas e externas! A história da nossa vida diz-nos que só estamos disposto a grandes e duros sacrifícios quando, consciente e previamente, nos preparámos para eles por incontáveis pequenas renúncias. Mas essa pode ser simplesmente uma desculpa! Então? A que coisas queremos renunciar para defender a dignidade humana? Aos preconceitos, aos caprichos, às veleidades? Se for, óptimo! Se não for, paciência! Neste caso, talvez estejamos a criar uma sociedade em que a indiferença e a doce passividade levem à morte moral de milhões de cidadãos.

P. Madureira da Silva

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