quinta-feira, 3 de junho de 2010

Valores religiosos na educação

Quando se fala em valores religiosos logo se percebe escarninho em vários rostos e muita gente sussurra baixinho que tresanda o cheiro a sacristia. Com medo de contágio, imediatamente se põem de lado quaisquer considerações sérias sobre o tema. Preconceitos! Ignorância! Intransigência! Jacobinismo! Anti-clericalismo primário! É inegável a importância de todo o tipo de valores na educação, mesmo dos religiosos, tanto mais que a sociedade é o que a educação faz que ela seja. Mas... será conveniente fazer-se o elenco dos valores religiosos a que nos estamos a referir para aquilatarmos da sua maior ou menor importância na educação. Enquanto isso não for feito, pouco adiantaremos de útil. Presumindo que todos sabemos o que são valores religiosos e que usamos o mesmo critério para fazer a triagem entre os que são prevalentemente educativos e os que são exclusivamente confessionais; presumindo que sabemos a quais nos estamos a referir [pois uns contemplam a dimensão ética da vida e outros exprimem ritualmente as manifestações humanas da relação com a divindade, isto é, expressam o significado último do homem, a sua razão de viver e de esperar] e partindo do princípio de que os valores religiosos não devem ser confundidos com o «portar-se bem» – como se religião e civismo se equivalessem – tenho-os como muito importantes na educação.

Infelizmente já nos vamos habituando a um ambiente social e ético em que se adensa o panorama da derrocada das estruturas tradicionais da família e emerge a imagem de desleixo e de ausência de fé de que estas estão a dar sinal. A educação a partir de valores evangélicos genuínos (e não só sociológica e tradicionalmente cristãos) deixou de estar na moda, para nossa desgraça. Na linha inversa, confirmo que as referências religiosas (quaisquer que estas sejam) são o habitat natural para determinarmos idealmente o agir das pessoas tanto no respeito das leis e das normas de conduta, pessoal e social, como no tocante às virtudes, aos comportamentos familiares e comunitários, ao sentido da justiça e do amor e ao sentido da vida como uma totalidade. Quem delimita a sua vida por valores religiosos, acata facilmente as outras obrigações sociais. Diferentemente será a minha postura perante alguns ritualismos e tradições, cristãos ou doutras religiões, em que existe promiscuidade entre valor religioso e tradição ritualista, entre fé e crendice, entre liturgia e folclore. Aí ponho as minhas mais profundas reticências e apelo para o bom senso. Neste contexto, presumindo que há muitas famílias constituídas a partir do sacramento do matrimónio que, segundo as suas capacidades, estão em condições de transmitir valores de oração e de culto, entendo que os não conseguirão transmitir plenamente se elas próprias os não viverem e os não considerarem de primeira importância.

No tocante à educação, genericamente considerada, recordo o esquema em voga sobre as grandes competências que o educador deve possuir – «saber», «saber-fazer» e «saber-ser» – a que se deve acrescentar «saber ‘fazer-ser’», porque o educador não ‘faz ser’ coisas; ele ‘faz ser’ pessoas. Aliás, educar é sempre ‘fazer-ser’, numa ajuda e intercâmbio de gerações e de culturas. E ‘fazer-ser’ pessoas só se consegue com o recurso aos valores, entre os quais os religiosos. E, dentre os religiosos, sobreelevo os valores propostos pelo Evangelho que se exprimem na fé, na justiça, na partilha, no perdão, na verdade e no testemunho. Em todos os tempos e lugares, e acima de todas as políticas e esquemas de educação, há realidades éticas inscritas no coração de toda a gente que dão razão de ser à nossa natureza: somos racionais e relacionais. Levantando esta bandeira, assinalamos que não há educação sem transmissão de valores, pois educar é inserir progressivamente os educandos nos bens mais valiosos que a tradição e a cultura nos proporcionam e a comunidade humana reconhece como bons.
P. Madureira da Silva

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