quinta-feira, 28 de maio de 2009

CARTAS DE RECOMENDAÇÃO

É natural que se peçam e se dêem informações sobre o cunho profissional e o carácter moral dos candidatos a um qualquer emprego sério. São as tradicionais cartas de recomendação. É tão grande o desgaste de alguns valores humanos que, para além das habilitações académicas e das capacidades técnicas comprovadas pelos Diplomas e Certificados, se exigem outras avaliações a que a Psicologia dá cobro e o bom senso dá razão. Pois bem. Sou de opinião que também havia de haver cartas de recomendação para os candidatos a determinadas funções públicas – não importa se elevadas se baixas – (sobretudo das que se conseguem quando se é possuidor do cartão do partido ou se é amigo e conhecido do fulano que já está lá bem colocado!...) para que, a tempo e horas, se pudesse julgar do seu carácter, do seu amor ao trabalho efectivo, das suas habilitações técnicas e do natural civismo. E haviam de ser proibidas as ondas de corporativismo e as cunhas que falam mais alto que os valores reais de cada um. Mas, como não existem tais cartas de recomendação, proponho que, – ao menos a posteriori, quando se fizerem as avaliações finais – esses “profissionais” sujeitem a sua capacidade de acção não às palavras elogiosas dos avaliadores da “mesma cor” mas à satisfação ou insatisfação dos cidadãos por eles atendidos. Isto é que constituiria a «verdadeira carta de recomendação», improvável no início, mas necessária depois.

Muitas conversas travadas entre cidadãos anónimos têm como pano de fundo este assunto, o atendimento. Não é que este tenha de ser sempre personalizado. Mas deve ser sempre carinhoso e respeitador. Não deve haver ninguém que não tenha sido vítima e, consequentemente, não tenha algumas queixas a fazer sobre o modo como foi recebido ou atendido numa qualquer repartição pública a que teve de recorrer para tratar dos seus assuntos. Verdade se diga que a maior parte das vezes o atendimento é bom; mas há muitas ocasiões e repetidos casos sintomáticos do que acaba de ser dito. Talvez as queixas frisem aconchegos políticos duvidosos, talvez refiram atendimentos desumanos e morosos, talvez extravasem simplesmente uma reacção às inúmeras faltas de civismo que as palavras e os gestos de alguns funcionários deixaram transparecer. Tudo isto cria uma vontade irreprimível de comentar, criticar, murmurar... e, como quem conta um conto lhe aumenta um ponto, a consequência lógica é que tudo o que nos desagrada também se detesta. E, detestada a situação, também de detesta o funcionário que a provocou! Os maus humores alheios podem influenciar desajeitadamente os nossos estados de alma. Naturalmente, tudo nos convida a carregar de tintas negras o quadro do ambiente então criado. E com razão!

Extravasando o âmbito destas observações, relevo as inúmeras situações bem mais inquietantes em que o mal tem o mesmo tratamento que o bem, que o bom, que o normal. Faz-se a apologia da transparência, mas poucos a vivem. Fala-se de honradez, rectidão de vida, franqueza, honestidade, autenticidade, mas vive-se da fraude, da máscara, do cinismo, da mentira. Assistimos ao despudorado sincretismo de valores e anti-valores numa sociedade cada dia mais hipócrita, que tenta ocultar a sua queda moral, que crê no mito escravizante do progresso e amplia a angústia em que vivem milhões de seres humanos. Estamos a ser invadidos por uma lufada de «anormalidades» consideradas «normais». Alguns Meios de Comunicação Social escancaram em praça pública o que há de mais extravagante, emaranhado, obscuro e desequilibrado no fundo da alma. O recôndito da alma é trazido para a praça pública; os sentimentos genuínos têm um tratamento desumano. Quase nos obrigam a acreditar que o nosso lugar na sociedade tem de ser de total concordância. Perante o mal, quase somos «obrigados» a ser concordes e tolerantes. Perante o bem, quase somos «obrigados» a ser ingénuos ou invejosos e ressentidos. Estou convencido de que a mentalidade actual é passível de ser caracterizada pela mesma avaliação patenteada na história de «o Rei vai nu» – conhecem essa história?

P. Madureira da Silva

1 comentário:

  1. Não é por acaso que se diz que « as crianças são o melhor do mundo»! Elas é que sabem!
    Sem medos, sem preconceitos, sem falsas modéstias, elas falam apenas...verdades!

    Que bom seria podermos conservar o nosso mais bonito retrato de infância!

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